Informatio
29(2), 2024, e102
ISSN: 2301-1378


Dossier temático «Mediación en la información»


 

Mediação, mediatização e desintermediação da Informação: abordagens contemporâneas

Giulia Crippaa ORCID: 0000-0002-6711-3144

a Professora associada, Departamento de Bens Culturais, Universidade de Bolonha.

   
CC-BY

Crippa, G. (2024). Mediação, mediatização e desintermediação da Informação: abordagens contemporâneas. Informatio, 29(2), e101. Recuperado de https://informatio.fic.edu.uy/index.php/informatio/article/view/491

   

O assunto proposto para este dossiê da revista Informatio é a mediação da informação, para buscar entender, hoje, suas funções, funcionamento e objetivos.

Sempre peço aos meus estudantes alguma definição de mediação, antes mesmo de pensar em informação. Geralmente, eles respondem com a imagem de uma ponte entre duas partes opostas que podem se encontrar. Ou de uma terceira figura entre dois disputantes, realçando assim que há atores em lados opostos ou em conflito, entre os quais algo ou alguém se interpõe, um terceiro elemento que facilita encontros e trocas, que resolve conflitos. Está claro, para eles, que, sem mediação, não há trocas nem paz.

Propomos, nesse dossiê, discutir um tipo específico de mediação, que envolve sujeitos com necessidades informacionais em um mundo no qual as bibliotecas tradicionais (entendidas como locais físicos ou digitais cujos recursos são acessíveis via catálogo) mudaram profundamente seu papel na sociedade. Existe, de fato, uma relação entre técnicas de registro, indexação de informações e estruturas de conhecimento, e essas últimas são estruturantes, na medida em que o acesso à sua ordem estabelece o cânone epistêmico de uma época, um espaço, um grupo, uma comunidade, uma sociedade.

Hoje, observamos uma profunda mudança na ordem do conhecimento, declinada pela própria ordem dos imensos recursos de informação (tornados acessíveis pelas TICs), selecionados através de dispositivos tecnológicos e sociais diferentes daqueles do cânone cultural da Modernidade, acessíveis não mais unicamente por catálogo, mas por meio de operações cada vez mais realizadas por Inteligências Artificiais (IA). Essas últimas baseiam-se em listas não de ordem hierárquico, mas, sim, de tipo simples e recursivo: “No mundo digital, as listas parecem ser a forma preferida de organizar as informações, e elas se reproduzem recursivamente em vários níveis” (ESPOSITO, 2022)

Trata-se, portanto, de recursos não mais estritamente ligado às formas da catalogação bibliotecária, por muito tempo consideradas a mediação que permitia o acesso aos recursos informacionais confiáveis. Mas, se a organização da informação se baseia em princípios não catalográfico, sua busca e acessibilidade mudam e, como consequência, sua apropriação também.

O que entendemos, hoje, por mediação da informação em uma rede que reconfigurou os papéis dos produtores, os canais de circulação, as apropriações, os elementos de mediação, a desintermediação e a midiatização?

O foco dos ensaios do dossiê é o papel do bibliotecário na mediação da informação para os usuários com base nos data-set disponíveis. Nesse sentido, identifica-se como competência dos bibliotecários/documentalistas o que hoje pode ser chamada “curadoria de dados”.

O dossiê pretende oferecer uma amostra de como uma ideia de sinonímia entre mediação e disseminação (e transferência) da informação se transforma na de mediação como circulação e apropriação da informação, que requer a atuação de bibliotecários, documentalistas e algoritmos que atuam como intermediários entre recursos e os usuários, essencial para democratizar o acesso ao conhecimento, promover a inclusão digital e social, e capacitar os indivíduos e comunidades a utilizarem a informação de forma crítica e produtiva.

“Se a maior parte do conhecimento é acessível em formatos digitais, em dispositivos que podem ser levados para qualquer lugar, qual é a importância de uma coleção tradicional de livros, revistas, jornais, filmes e música? [...] Vamos colocar a questão em termos negativos: as bibliotecas e os bibliotecários são anacrônicos na era digital? Afinal, para quem eles são úteis e como?”, essas são as perguntas feitas, de forma provocativa, por John Palfrey (2016, p. 15-16).

Ao destacar o que é exigido pelos usuários de hoje e o que falta às bibliotecas, pode-se chegar a uma compreensão do que oferecer. E precisamente entre as ofertas essenciais de uma biblioteca na era atual estão o acesso a diferentes tipos de recursos multimídia e às ferramentas digitais, bem como a orientação de bibliotecários sobre o uso de recursos e ferramentas.

Com o surgimento da Internet, houve uma forte disseminação de informações e conteúdo digital que levou a uma difusão cada vez maior do conhecimento, mas também estimulou sua criação, dando espaço para os pensamentos e as visões de todos: isso poderia ser percebido como uma ameaça por instituições que tinham entre suas metas e objetivos justamente a disseminação e a mediação do conhecimento. A maioria das instituições bibliotecárias, entretanto, compreendeu o enorme potencial do digital e, com o passar do tempo, “dedicaram enormes energias à transformação da biblioteca e de suas coleções, mas também das modalidades de acessá-las.” (Bianchini, 2018).

Hoje em dia, o trabalho, a busca de informações, as interações sociais e o entretenimento foram, em grande parte, transferidos para a Web; portanto, é fundamental para um profissional da informação que queira manter a conversa com seus usuários ir além de suas fronteiras e alcançar as comunidades.

De fato, a maioria das bibliotecas atuais está presente na web, com sites e OPACs evoluídos e dinâmicos, mas a disseminação genérica de informações não é mais suficiente: os usuários pedem, com razão, para participar como atores, autores e, mais em geral, produtores de conteúdos: “As bibliotecas, assim como todos os outros participantes da cadeia do livro, de livrarias a editoras, também podem olhar para as redes sociais como novos locais de produção cultural e relações sociais e analisar sua dinâmica, que também pode ser vista na grande massa de dados e metadados em sua posse.” (Caminito, 2018, p. 141).

Portanto, se é verdade que a presença de um bibliotecário ainda é indispensável, que habilidades e conhecimentos são exigidos desses profissionais hoje para atender às novas necessidades dos usuários? À medida que os objetivos da biblioteca mudam, as motivações e as habilidades dos bibliotecários também os fazem. O trabalho não é mais apenas preservar coleções físicas, mas também coletar, facilitar a circulação e, acima de tudo, facilitar o acesso a diferentes tipos de conhecimento confiáveis e capazes de satisfazer as demandas dos usuários.

Embora o digital tenha muitas vantagens, a exclusão digital certamente ainda não foi superada, pois não somente o acesso à Internet para todos ainda é parcial, pois nem todas as pessoas têm a possibilidade de usar as novas tecnologias, bem como o overload informacional tem criado profundas disparidades na apropriação daqueles conhecimentos socialmente uteis para os usuários.

Observa-se que, sem o treinamento adequado, essas ferramentas são inúteis ou até mesmo prejudiciais. É aí que pode ser repensada a figura do bibliotecário como curador de dados, que ajuda a combater o problema por meio da alfabetização informacional e da alfabetização digital, que fornece orientação e instrução àqueles que precisam desenvolver as habilidades básicas para usar o digital e entender as informações em qualquer formato. Assim, o compromisso dos profissionais de contribuir para o aprendizado da cidadania ao longo da vida é mantido, para que todos possam continuar a ser parte ativa da sociedade.

A falta de alfabetização digital afeta a educação e a empregabilidade, não apenas por causa da falta de habilidades, mas também porque eles se deparam com mais frequência com o que Palfrey chama de “armadilhas do mundo digital”: compartilhar muitos dados e informações pessoais, confiar cegamente no que é encontrado on-line, acreditar em golpes e, em geral, envolver-se em situações desagradáveis. Os estudantes geralmente recorrem ao Google e à Wikipédia como ferramentas de pesquisa: infelizmente, porém, sem o conhecimento completo dessas ferramentas, eles correm o risco de não explorar seu potencial ou de acessar conteúdos e informações não confiáveis.

Palfrey teoriza sobre a “biblioteca de plataforma”, entendida como acesso fácil e eficiente ao conhecimento e às informações, em contraste com a ideia de uma “biblioteca de depósito”. Nessa visão, os bibliotecários são os gerentes dessas bibliotecas de plataforma e das interações e interconexões na rede com outras plataformas. « As bibliotecas só poderão ter sucesso e inovar em uma era conectada, digital e móvel se adotarem uma abordagem colaborativa para a criação de plataformas compartilhadas. As “bibliotecas de plataforma” - idealmente abertas e gratuitas - terão que formar a base da futura infraestrutura das bibliotecas. Se elas não se adaptarem a essa mudança, as empresas que já pensaram nisso - mecanismos de busca, redes sociais e até mesmo empresas que fabricam bonecas - desempenharão um papel mais importante do que as bibliotecas na formação da democracia em nosso futuro digital”. Palfrey, 2016, p. 114).

Neste momento da história, o digital e o analógico coexistem. Pode-se presumir que, no futuro, todo o conhecimento estará em formato digital, mas não se pode ter certeza. Portanto, o digital deve ser entendido como uma extensão do alcance da biblioteca e não como um obstáculo. É importante conceber essas mutações digitais dentro e fora das bibliotecas como uma grande oportunidade, uma ferramenta que amplia enormemente a comunicação cultural e oferece a possibilidade de alcançar a democratização do conhecimento.

O principal ator do serviço de referência é o bibliotecário, cuja tarefa e missão é fornecer ajuda e assistência ao usuário na pesquisa. Isso é feito tanto para entender e encontrar o que o interlocutor precisa quanto para facilitar o acesso aos recursos: os bibliotecários ajudam a navegar pelos materiais para localizá-los em sua dimensão física ou digital, bem como para entender as informações contidas neles, colocando-as em um contexto preciso e avaliando sua relevância para a pesquisa realizada. Os bibliotecários que prestam esse serviço são profissionais que possuem as habilidades adequadas para orientar os usuários em suas pesquisas, respondendo às suas perguntas, fornecendo-lhes recursos de qualidade e metodologias eficazes para encontrá-los, além de sugerir fontes confiáveis e coerentes para suas necessidades de informação.

Atualmente, exige-se que os bibliotecários desempenhem uma função mais ativa na biblioteca: não é mais um trabalho estático (se é que já foi) no balcão, limitado a responder perguntas, organizar livros e redirecionar usuários. Em vez disso, ele deve saber como interagir com o público, por meio de metodologias que envolvem saber como fazer as perguntas certas para esclarecer as necessidades informacionais dos usuários.

É preciso realizar mediações entre as demandas, as reais necessidades e o que os sistemas de informação que à disposição podem oferecer: “E há também o elemento humano, o bibliotecário, que deve encontrar o equilíbrio certo ao oferecer ajuda: não a atitude passiva de alguém sentado em sua mesa esperando por uma possível solicitação, mas também não a agressividade do leitor que não deseja ser ajudado. O bibliotecário deve estar familiarizado com os problemas de catalogação e catálogos, assim como deve estar familiarizado com a biblioteca em que trabalha e com o público que a frequenta” (Revelli, 1996, p. 423). O papel mediador do bibliotecário, no entanto, não é apenas ajudar o público com pesquisa e acesso, mas também desenvolver segurança no usuário que deseja repetir esses processos de forma autônoma e consciente.

Já em 1968, Patrick Wilson destacou em seu trabalho Two kinds of power o problema da quantidade de composições escritas no mundo. Wilson sabia que muitos outros antes dele sentiam uma forte preocupação com a capacidade de recuperar informações relevantes para os usuários. Para o autor, o elemento-chave era entender o que merecia ser salvo do esquecimento e, para isso, ele investigou o conceito de relevância da resposta a uma necessidade de informação. A relevância não é apenas o que confirma ou refuta uma hipótese ou o que resolve uma dúvida, mas depende das circunstâncias e da pessoa que faz a pergunta, uma pessoa com desejos e necessidades específicos. Se esse discurso era válido em 1968, é ainda mais válido hoje porque, além do analógico, o conhecimento é produzido em redes digitais: internet, redes sociais, vídeos e imagens espalhados na web, muitas vezes em um modo híbrido entre diferentes mídias.

Ao mesmo tempo em que dá a possibilidade de expandir muito as possibilidades de pesquisa, é necessário filtrar o que existe na web e uma lente para fazer isso é representada pelos profissionais da informação. Nesse sentdo, o papel de mediador deles é fundamental, pois ajuda a filtrar as informações, facilita e promove o acesso, reduzindo as barreiras criadas pela tecnologia e pela própria informação (Zanin-Yost, 2018).

O profissional deve estar familiarizado com os recursos da biblioteca, sabendo como encontrar outros recursos fora da biblioteca institucional, relacionando-se com os usuários de forma a entender melhor suas necessidades: a mediação de informações não envolve apenas encontra-las quando solicitadas pelo usuário, mas é um processo que se ramifica em diferentes atividades para permitir que o usuário transforme informações em conhecimento.

O bibliotecário, também chamado de cybrarian, écada vez mais um curador de dados, treinado para saber como navegar pelo mundo ao nosso redor e orientar outros navegadores. Conforme apontado pelo Grupo de Estudosda Associação Italiana de Bibliotecas sobre catalogação, indexação, linked open data e web semântico, com referência à nova profissão de bibliotecário da Web: “Hoje, no entanto, ela não se baseará apenas na catalogação em seu sentido tradicional. Será preciso levar em conta que, entre as fontes de informação, será necessário incluir todo o conhecimento que se compartilha e que se pode pesquisar nessa dimensão, na Web e graças à Web.”(Cisternino e Less, 2016). Além disso, entre as competências do novo bibliotecário deve estar a garantia de que as informações se tornem processáveis e ‘compreensíveis’ diretamente pelas máquinas.

Atualmente, as pessoas confiam na Internet para buscar informações e conteúdo, e isso é especialmente verdadeiro para as gerações que nasceram e cresceram com a Internet. De fato, parece que os jovens preferem escolher onde, como, quando e o que acessar, sem a necessidade de buscar interlocutores ou mediadores competentes. Isso ocorre porque o acesso a informações e produtos culturais está cada vez mais fácil, conveniente e imediato. Por outro lado, já é bem conhecido que a Web pode ser um veículo de informações falsas, razão pela qual é considerada pela maioria das pessoas como menos confiável do que outras fontes de informação.

Solimine e Zanchini (2020) falam da desintermediação do conhecimento e da cultura, que não são mais transmitidos por figuras autorizadas, mas ressaltam que um mediador está sempre presente hoje: é a própria rede que, por meio de algoritmos, analisa os hábitos on-line dos usuários e é capaz de sugerir notícias, livros, filmes, videogames, imagens e vídeos de forma personalizada (embora, é claro, com o objetivo de lucrar).

Vista assim, parece que a única forma de mediação está nas mãos dos sistemas que produzem os algoritmos. No entanto, um componente humano intermediário entre a pessoa e os produtos, nesse caso produtos culturais, é procurado e seguido pela maioria das pessoas: esses são os influenciadores e criadores de conteúdo que podem ser encontrados hoje em todas as plataformas sociais, onde eles se expressam, trabalham e são ouvidos por centenas de milhares, se não milhões, de pessoas.

Comecei a usar, com meus estudantes, uma definição que, embora muito ampla, parece auxiliar o entendimento tanto da complexidade do assunto, como da amplitude de perspectivas para abordá-lo: convido-os a considerar a mediação da informação como operador teórico e metodológico que permite compreender as diferentes dinâmicas envolvidas na produção, organização, fluxo, comunicação, apropriação, circulação, transferência, dispositivos, registros, regimes, usos e usuários da informação, em diferentes contextos históricos e sociais, tendo clareza de que a informação, em todas as fases de seu ciclo, é parte integrante dos sistemas culturais e simbólicos que a significam e de que ela existe na medida em que encontra usuários diferentes por capital cultural, gênero, classe, etnia.

O papel das bibliotecas parece ter sido o de oferecer alternativas diferentes para os vários assuntos, permitindo desenvolver novos insights e buscar alternativas para as necessidades informacionais dos usuários, ou seja: pode ser necessário que os usuários precisem procurar um número mais ou menos amplo de recursos para encontrar o que estão procurando, e as bibliotecas se desenvolveram nessa direção. Pode-se dizer que, se a biblioteca moderna não é o lugar de verdade absoluta, nela trabalham profissionais que, em um sistema mais amplo de produção de conhecimento, estabeleceram metodologias que permitem a seleção e o fornecimento de informações às quais atribuímos caráter de confiabilidade graças aos processos estabelecidos nas áreas que as produziram.

Pode parecer irrelevante reiterar esses aspectos que caracterizam o paradigma das bibliotecas modernas, mas se trata de questões atuais, pois as bibliotecas atravessam uma fase de mudança de função, na medida em que as múltiplas ofertas, aparentemente muito mais amplas, da rede global redesenham seu papel. Nesta rede tão "rica" há uma armadilha bastante perigosa: a seleção e confiabilidade das fontes é aberta e ainda sem soluções satisfatórias para os usuários. Pensamos em como a lógica da Informação passou a ser tratada em termos quantitativos, perante os problemas de comunicação do ponto de vista da eficiência, mas de maneira indiferente à qualidade das mensagens, em uma perspectiva estritamente informativa e não informacional: a grande preocupação dos sistemas informatizados se concentra na velocidade e na confiabilidade dos sinais, mas não necessariamente na seleção e na qualidade que esses sinais carregam. O importante é elaborar sistemas em que o que é transmitido corresponda quantitativamente ao que é recebido (com base na teoria matemática de Shannon): qualquer informação transmitida, nessa lógica, tem o mesmo valor, independentemente de sua origem. A preocupação dominante, nesta perspectiva é que as informações emitidas e recebidas se mantenham equivalentes quantitativamente e qualitativamente. O aspecto da competência informacional do usuário, que pode ou não ter a capacidade de buscar as informações apropriadas, não foi considerada, delegando às instituições (através das ferramentas bibliotecárias) a seleção dos conteúdos. Isso se realiza em um quadro de “canonização” de regulação da massa documentária, que reflete, por três séculos, um projeto intelectual hegemônico de matriz iluminista ocidental. Para que o sistema, que propõe uma “disseminação” do conhecimento considerado socialmente necessário, em que a informação é selecionada por atores pertencentes aos quadros intelectuais e científicos hegemônicos, é necessário recorrer a especialistas, cujas habilidades são aquelas dos bibliotecários em sua atuação como bibliógrafos e catalogadores. A divisão está vinculada à constituição de campos disciplinares que identificam, ainda hoje, a tripartição baconiana do conhecimento moderno entre razão, memória e imaginação.

Com o advento da Internet, no entanto, essa relação hierárquica tende a se dissolver, a partir do momento em que o que é validado e classificado pela instituição da biblioteca deve se confrontar com a massa de recursos informacionais de natureza diferente dos livros (ou das revistas, ou dos mapas) impressos que, através dos buscadores, se oferecem sem "certificação de qualidade".

Cada informação adquire valor dentro de um contexto de pesquisa individual, no qual os filtros disponíveis são pouco conhecidos pelos usuários. A distinção entre verdadeiro e falso, instituída pela própria biblioteca, perde suas fronteiras. Nos espaços da rede global, o princípio da autoridade e divisão dos campos do conhecimento transcende as fronteiras dos campos disciplinares e o conhecimento torna-se "líquido".

Hoje, perante a realidade informacional propiciada pela tecnologias, há uma clara necessidade de repensar os instrumentos de inclusão dos sujeitos que não pertencem aos mundos da pesquisa, na medida em que se observam fenômenos claros de desintermediação e em que a profunda disseminação das TICs leva a uma perda de individualidade dos dispositivos tradicionais, em uma situação em que a irreversibilidade dos processos revela ferramentas projetadas para criar dependência informacional, profissional e psicológica.

As tecnologias individuais, de fácil utilização, são colocadas em mãos privadas, com alcance monopolista, que impedem a aplicação de regras e sistemas de controle tradicionais.

Os serviços oferecidos, aparentemente gratuitos, revelam-se na verdade opacos: as trocas que os usuários aceitam para seu uso implicam a disponibilidade de dados, conteúdos e informações pessoais para as grandes empresas em troca desses serviços. A mídia "desapareceu" em uma rede de aparelhos, processos e práticas sociais cotidianos que tornam impossível isolar seus componentes daqueles puramente tecnológicos.

A naturalização da tecnologia favorece a ocultação de uma lógica de mercado, através da promoção de formas de hiperconsumo por meio de tecnologias nas quais não podemos mais nem mesmo perceber os próprios atos de consumo.  

O atraso da cultura e da política perante as TICs impõe uma conscientização sobre as consequências para a privacidade e a concentração de poder nas mãos de algumas grandes empresas de tecnologia,  mas a política e a sociedade revelam suas dificuldades em abordar o fenômeno das TICs de forma racional, enquanto as informações mais estratégicas e valiosas se encontram cada vez mais nas mãos de grupos relativamente pequenos e altamente especializados, tornando a mobilidade social mais difícil na medida em que o acesso ao conhecimento é reduzido.

Uma vez eliminado o equívoco de uma ideia única e integrada de “biblioteconomia” - dentro da qual os mesmos protocolos regulam todas as operações, procedimentos e atividades das “bibliotecas” – torna-se interessante estudar os critérios para avaliar as relações de competência, funcionalidade e eficiência dos dispositivos mediadores entre informação e usuários/sujeitos. A mediação da informação não envolve, de fato, apenas encontrar as informações solicitadas pelo usuário, mas é um processo que se ramifica em diferentes atividades para permitir que o usuário transforme informações em conhecimento.

Os autores que compõem este dossiê dedicado à mediação da informação oferecem suas reflexões que gravitam em volta de todos estes tópicos. Os textos se debruçam sobre questões epistemológicas e práticas de mediação, sobre a acessibilidade às informações em redes mais tradicionais, representadas pelos catálogos, mas também de práticas alternativas, onde a mediação encontra a arte, as plataformas sociais e aquela área problemática em que informação e desinformação se confundem. Nos fornece, assim, um panorama rico de possibilidade para o território das pesquisas e das práticas mais atuais.

Discute de catálogos Lucia Sardo, em seu texto “Library catalogues and mediation. What role for catalogues in the 21st century?”, recuperando alguns antecedentes históricos da teoria catalográfica e interrogando-se sobre o papel que, hoje, desempenham no âmbito do que chama de ecossistema digital.

Carlos Alberto Ávila Araujo, hoje um dos principais autores latino-americanos que se ocupam de desinformação, em seu artigo “Integridade da informação: nova problemática para a mediação da informação”, discute os elementos problemáticos da mediação da informação observando o fluxo, o que acontece na circulação da informação e as questões informacionais inseridas em contextos complexos e multidimensionais de desinformação, discursos de ódio, economia da atenção, modelos de negócios das big techs, a partir dos parâmetros do que o Grupo de Trabalho da Economia Digital do G20 chama de integridade da informação.

Um dos desafios propostos pelo dossiê foi a busca de pesquisadores sobre o tema que pudessem ampliar o panorama das mediações além do circuito latino-americano. Nesse sentido, o artigo de Abdelghani Bendridi, “Information mediation practices in Algerian academic libraries: A case study of Setif 2 University” amplia as reflexões sobre as práticas de mediação em um ambiente, o da biblioteca acadêmica, a partir de espaço pouco conhecido pelos pesquisadores da América Latina, o da África magrebina. Em um texto que estuda a compreensão dos bibliotecários sobre conceitos e princípios da mediação de informações, e seus desafios e as oportunidades de melhoria, o autor realiza uma pesquisa que envolveu trinta bibliotecários e investigou suas práticas de mediação, oferecendo uma oportunidade para comparações e discussões entre a busca internacionalmente padronizada das práticas bibliotecárias e sua realização na realidade de um país de descolonização recente.

Marco Antonio de Almeida, no texto “Mediação e circulação da informação cultural: mediadores, críticos, influenciadores”, percorre o caminho da pesquisa no âmbito da mediação cultural no que diz respeito às novas plataformas digitais, concentrando o foco no surgimento e desenvolvimento da crítica literária como forma de mediação realizada, principalmente, pelos booktubers. Pressupostos da discussão são as fundações teóricas dos conceitos de mediação e desintermediação, refletidos no espaço tecnológico.

Finalmente, o dossiê apresenta duas reflexões mais filosóficas sobre o tema da mediação: “A crítica do duende: mediação algorítmica e o cérebro sem órgãos”, de Pedro Vidal Diaz e “Raízes de uma teoria da mediação psicossociológica em Ciência da Informação: a questão do “imediato” e do “mediato” em Nicolas Roubakine”, de Gustavo Silva Saldanha.

Diaz explora interseções entre a mediação algorítmica e dinâmicas de poder entre o Estado e o Sujeito informacional, propondo saídas e atravessamentos outros, além das dinâmicas de vigilância e classificação de dados digitais, baseando suas observações no conjunto teórico de Sara Braman, enquanto Saldanha desenvolve seu artigo no âmbito da reflexão epistemológica da mediação a partir da enunciação do conceito no pensador russo Nicolas Roubakine, onde os dois conceitos estruturais de Roubakine, mnéma e “meio social”, são descritos e discutidos para a constituição de uma teoria da mediação.

Consciente de que muito mais poderia ser discutido, mas também da riqueza dessa pequena amostra de artigos, convido à leitura desse dossiê internacional, na esperança que os estudos sobre a mediação, circulação e apropriação da informação se desenvolvam em todas as declinações aqui propostas e muitas outras.

 

Referências bibliográficas

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CISTERNINO Marinella, LESS, Lucilla. “Sulle nuove competenze: dossier guida ai profili e agli strumenti”, AIB Notizie, 2016,  <https://tinyurl.com/yuptknrh>. Acesso em 25 de outubro de 2024.

ESPOSITO, Elena. Comunicazione artificiale. Milano: EGEA, 2022.

PALFREY, John, Bibliotech. Perché le biblioteche sono importanti più che mai nell’era di Google, Milano: Editrice Bibliografica, 2016.

Revelli, Carlo. Il catalogo, Milano, Editrice Bibliografica, 1996.

SOLIMINE, Giovanni, ZANCHINI, Giorgio, La cultura orizzontale. Bari: Laterza, 2020.

WILSON, Patrick. Two kinds of power: An essay on bibliographical control. Berkeley: University of California Press, 1968.

Zanin-Yost, Alessia. Non solo information and media literacies: il ruolo del bibliotecario nella società del futuro, in: La biblioteca {in}forma : digital reference, information literacy, e-learning, Associazione Biblioteche Oggi, Milano, Editrice Bibliografica, 2018.