1. Introdução
Pesquisas de satisfação são utilizadas tradicionalmente para conhecer as necessidades dos usuários, validar novas propostas, avaliar recursos e serviços, verificar eventuais lacunas ou endossar a qualidade de um setor. Contudo, ao longo dos anos a evolução tecnológica tem ocasionado mudanças sociais, que por sua vez interferem na área de estudo de usuários. Torna-se importante, deste modo, reavaliar periodicamente a forma de aplicação das pesquisas, adequando-se aos conhecimentos recentes, a fim de se obter maior quantidade de dados úteis, permitindo uma avaliação eficaz e um atendimento mais focado nas necessidades dos usuários.
A Biblioteca Central Irmão José Otão é uma biblioteca universitária, vinculada à Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), situada em Porto Alegre, RS, Brasil. Nesta unidade de informação, a prática de realizar pesquisas com usuários tem o intuito de avaliar os recursos e serviços oferecidos, projetar melhorias e apresentar os dados obtidos em documentos institucionais, como na descrição da Biblioteca no Relatório de Autoavaliação Institucional da PUCRS. Desde 2011, quando foi implementada a primeira pesquisa com usuários, optou-se pelo sistema Qualtrics como ferramenta para a gestão de experiência. Nesta plataforma, é criada a Pesquisa de Satisfação Anual e o link correspondente é divulgado, tanto nos espaços físicos quanto no site e redes sociais da Biblioteca, possibilitando a participação da comunidade universitária, além de visitantes. Este modelo de pesquisa anual é realizado sempre ao final do segundo semestre, durante o período de três semanas. Após a finalização do processo, os dados são compilados e organizados para que a Coordenação da Biblioteca, juntamente com o Comitê de Avaliação e Planejamento (COAP, composto por um grupo de bibliotecários), possam analisar criticamente os resultados e projetar melhorias.
Embora a pesquisa de satisfação seja revisada anualmente, sob a responsabilidade da Coordenação da Biblioteca e do COAP, a quantidade e o teor das questões não sofriam mudanças significativas há pelo menos seis anos. Com o avanço das tecnologias, a possibilidade de integração de inteligências artificias neste processo, a mudança de perfil dos usuários e os estudos realizados em user experience, percebeu-se a necessidade de reestruturar a pesquisa.
No decorrer dos últimos anos, a tecnologia, principalmente web, cresceu exponencialmente, causando mudanças significativas nas preferências e no comportamento de cada geração (Fonseca; Zaninelli; Caldeira, 2022; Stati e Sarmento, 2021). O uso de tecnologias da informação, incluindo mídias sociais com apelo à velocidade e retorno rápido, tem tornado os usuários cada vez menos dispostos a leituras longas, formulários on-line com mais de uma página e poucos atrativos visuais. Assim, este relato de experiência pretende contribuir para a Ciência da Informação, apresentando resultados e considerações relacionados a ações de user experience, incluindo o uso de ferramentas de inteligência artificial para organização e análise de dados. Destaca-se que esta pesquisa não tem por finalidade abordar os benefícios e malefícios desta mudança social e cultural, mas compreendê-la com o intuito de dar suporte à proposta de reestruturação da Pesquisa de Satisfação Anual da Biblioteca da PUCRS, implementando uma Pesquisa Permanente de Usuários.
2. Estudo de usuários em bibliotecas universitárias
É inquestionável a relevância da realização de estudos de usuários e de pesquisas de satisfação, pois conhecer os usuários e suas reais necessidades torna-se decisivo para a melhoria contínua da biblioteca universitária e, consequentemente, para a valoração da própria universidade. As bibliotecas universitárias caracterizam-se pelo suporte às atividades das instituições de ensino superior nas quais estão inseridas, contemplando a tríade ensino, pesquisa e extensão. Deste modo,
Para suportar as três atividades, a biblioteca universitária oferece uma variedade de serviços; entre eles, os mais comuns percebidos pelos usuários podem incluir empréstimos e devoluções do acervo físico ou digital dentro e entre bibliotecas; treinamentos para encontrar, organizar e interpretar informações; eventos culturais ao público; acesso a computadores e internet; espaços para estudos e reuniões; e disseminação de informações aos usuário (Figueiredo et al., 2020, p. 49).
A criação e a oferta de recursos e serviços qualificados, que tenham em vista a melhoria de desempenho de pesquisadores, alunos e professores, contribui para o aumento do impacto das publicações científicas das universidades e reforça a importância do trabalho desenvolvido nas unidades de informação. Em um contexto de difusão crescente de informações verdadeiras e falsas (“fake news”), provindas de distintos contextos sociais e de ferramentas de inteligência artificial, cabe à classe bibliotecária garantir o acesso a fontes científicas e culturais que sejam confiáveis, verídicas e autênticas, com o fim de alavancar resultados acadêmicos elevados (Câmara et al., 2023).
A interação entre a biblioteca e a comunidade acadêmica faz com que os trabalhos produzidos dentro do espaço universitário se tornem mais congruentes. O desenvolvimento de documentos científicos de qualidade facilita a publicação em veículos científicos de maior impacto e, consequentemente, implica na indexação em bases de dados importantes para a comunidade científica mundial. Uma produção científica qualificada e uma comunicação eficaz faz com que os trabalhos elaborados tenham uma chance maior de recuperação e citação, o que está diretamente relacionado às métricas de avaliação da universidade como um todo. Assim, a excelência dos serviços prestados pela biblioteca universitária impacta na avaliação da própria instituição de ensino superior, que é verificada nacionalmente por meio de instrumentos governamentais, como o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Figueiredo et al., 2020, p. 50).
No caso da Biblioteca da PUCRS, contudo, esta relevância ultrapassa os limites da própria Universidade, pois, sendo parte de Instituição Marista de caráter comunitário, a Biblioteca também investe esforços para atender à comunidade externa (Magnus et al., 2022). Em vista disso, as pesquisas de usuários são essenciais para que a Biblioteca reconheça seu público e continue desempenhando um papel importante para o desenvolvimento da sociedade, oportunizando igualdade no acesso à informação e aos recursos tecnológicos.
O estudo de usuários visa realizar uma gestão de experiência eficiente e eficaz. Desta forma, enquadra-se no conceito de pesquisa de marketing, que, segundo Kotler e Keller (2012, p. 102) são “[...] as atividades sistemáticas de concepção, coleta, análise e edição de relatórios de dados e conclusões relevantes sobre uma situação específica”. A avaliação do desempenho passado e o planejamento de ações futuras, com base em informações acuradas sobre o público, o público-alvo e a própria concorrência, permite que sejam tomadas decisões táticas tanto a curto quanto a longo prazo (Kotler e Keller, 2012).
Por este motivo, o estudo frequente de usuários em bibliotecas possui uma importante função estratégica, que inclui a sustentabilidade da instituição. Malheiro e Pedrazzi (2022) destacam que o público está cada vez mais exigente, fazendo-se necessário investigar as percepções dos usuários para que se possa buscar constantes inovações e melhorias bem-sucedidas. Do mesmo modo, os dados obtidos com tais pesquisas auxiliam a verificação de potencialidades e fragilidades do ambiente, possibilitando o planejamento eficiente de ações de marketing, bem como a alocação assertiva de recursos (Pshock, 2017; Spudeit e Fevrier, 2022).
Para que isto seja possível a partir do estudo de usuários, entretanto, o foco deve ser, primeiramente, captar as necessidades do público e, em segundo lugar, seus desejos. Kotler e Keller (2012, p. 8) esclarecem que “Necessidades são os requisitos básicos do ser humano”, ou seja, aquilo que ele precisa ter frente a um determinado problema. Já o desejo é baseado no que o ser humano pensa que precisa. Segundo os mesmos autores, as “[…] necessidades tornam-se desejos quando direcionadas a objetos específicos que possam satisfazê-las” (Kotler; Keller, 2012, p. 8).
A escolha correta do(s) método(s) de pesquisa, a formulação dos enunciados e a frequência de aplicação são fatores que devem ser cautelosamente planejados, a fim de garantir o engajamento dos respondentes e de se obter dados claros, sem confusão quanto ao que se trata de necessidade e de desejo. Tal planejamento deve ocorrer com base no foco da investigação, que pode ser a identificação de problemas ou a solução destes. Conforme definição de Malhotra (2019, p. 6, grifo nosso):
Uma pesquisa para a identificação de problemas é realizada para ajudar a identificar problemas que talvez não apareçam na superfície, mas que existem ou provavelmente irão surgir no futuro.
[...]
Uma vez identificado um problema ou uma oportunidade, realiza-se uma pesquisa para a solução de problemas a fim de chegar a uma solução. Os resultados obtidos serão usados para tomar decisões que irão resolver problemas específicos de marketing.
No caso do projeto que visou à reestruturação da Pesquisa de Satisfação Anual da Biblioteca Central de PUCRS, o foco foi identificar, além de ganhos e lacunas em recursos e serviços já oferecidos, as necessidades que os respondentes possuem e ainda não foram observadas. Com a possibilidade de expansão da percepção das necessidades dos usuários, oportuniza-se a criação e promoção de soluções antes não cogitadas.
3. Perfil dos usuários de bibliotecas universitárias
O perfil de clientes de todas as áreas prestadoras de serviços vem sofrendo alterações ao longo dos anos, em função de diversos fatores culturais e sociais, incluindo a evolução tecnológica. Conforme Fonseca, Zaninelli e Caldeira (2022, p. 1), houve “[...] grandes mudanças de comportamento de cada geração, frente ao uso de produtos e serviços inerentes à evolução das tecnologias de informação, especialmente aquelas utilizadas via web”.
No âmbito das bibliotecas universitárias (BUs), que são essencialmente prestadoras de serviços, a análise deste movimento faz-se necessária para atender a esta evolução. Os mesmos autores destacam que “[...] um novo perfil de usuários está vindo para as BUs com necessidades e anseios por serviços que vão além daqueles tradicionais disponibilizados pela grande maioria das unidades” (Fonseca; Zaninelli; Caldeira, 2022, p. 3).
No passado, quando a comunidade acadêmica frequentava a biblioteca apenas presencialmente e talvez por telefone, as pesquisas bibliográficas eram realizadas em catálogos de fichas em papel, fazendo-se necessário procurar informações e outras referências abrindo cada livro ou periódico impresso. Se a biblioteca não possuísse tal exemplar e solicitasse a alguma biblioteca parceira, ainda levaria o tempo de transporte do item para que fosse consultado. Hoje, com catálogos on-line integrados a fontes de consulta mundiais, incluindo acesso a livros e periódicos eletrônicos, o usuário encontra as informações de que precisa com muito mais agilidade e autonomia. Paralelamente à facilidade de acessos, as bibliotecas universitárias têm se adaptado a esta nova demanda criando serviços modernos e mais tecnológicos.
Entretanto, o avanço da tecnologia que marcou em especial o século XX, atingiu as pessoas, que nasceram em épocas diferentes, de formas distintas e em variados estágios da vida, como infância e adolescência. Assim, não há como homogeneizar o perfil de usuários de bibliotecas universitárias atualmente, definindo preferências e comportamentos únicos. Fonseca, Zaninelli e Caldeira (2022, p. 15) inferem que “[...] as Bibliotecas Universitárias (BUs) atualmente convivem com várias gerações de usuários, com características bem diferenciadas”.
Os nascidos no século XXI, por exemplo, não participaram do período supradescrito, todavia
[...] têm como principal característica a adoção de tecnologia da informação no dia a dia de suas atividades, entre as quais se relacionar com famílias e amigos, estudar, produzir e acessar informações. Apresentam mudanças comportamentais que vão desde dificuldade em respeitar regras, realizar diversas atividades ao mesmo tempo, buscar trabalho que traga prazer, dispersão com grandes volumes de informação, hábitos passageiros, instigados por rapidez, praticidade e uso extrapolado das tecnologias marcam o comportamento dessa geração que estão chegando ou já estão nas universidades e que usarão os serviços das bibliotecas (Fonseca; Zaninelli; Caldeira, 2022, p. 18-19).
Ainda que haja muitas pessoas da geração Z (nascidos entre 1995 e 2010), frequentando bibliotecas universitárias hoje, estas representam apenas uma parcela do público abrangido, especialmente no caso de instituições de caráter comunitário. Diante desta diversidade, é imprescindível que as referidas instituições conheçam as características de seu público, composto por pessoas de diferentes gerações, a fim de manter determinados serviços tradicionais, mas inovar em outros, atendendo assim a todos os grupos.
[...] conhecer em profundidade o perfil dos usuários que utilizam a biblioteca, torna-se fundamental para que seus bibliotecários e dirigentes desenvolvam e ofereçam produtos e serviços que satisfaçam as reais necessidades desses sujeitos, que mudam com a mesma velocidade que a tecnologia de informação avança (Fonseca; Zaninelli; Caldeira, 2022, p. 16).
O conhecimento aprofundado destes usuários se dá de diversas maneiras, como através de estudos científicos no âmbito biblioteconômico, antropológico, social, cultural, dentre outros. Porém, um dos métodos mais assertivos é a escuta do próprio usuário, a ser aplicada em cada biblioteca universitária. Segundo Câmara et al. (2023, p. 546), “[...] é primordial o estudo da satisfação dos usuários como medida da sua efetividade ao atuar como meio de instrumento para construção educacional”.
Este movimento por parte das bibliotecas garante que estas continuem aptas a ofertar serviços significativos e de formas interessantes, que promovam a disseminação qualificada do conhecimento, a promoção da produção acadêmica e científica, bem como o desenvolvimento social da pessoa frequentadora. Por consequência, também assegura o seu próprio sucesso dentro da instituição na qual está inserida, o que contribui para o êxito da universidade.
4. Inteligência artificial em bibliotecas universitárias
As mudanças tecnológicas relatadas exerceram impacto não somente no comportamento dos usuários e no desenvolvimento e realização de ações, recursos e serviços, mas também na forma de exercer a profissão de bibliotecário, que atua em atividades de coleta, uso e avaliação de dados.
No que tange à prestação de serviços, a International Federation of Library Associations and Institutions (IFLA) publicou, em 2023, uma rodada de entrevista com bibliotecários representantes de BUs da Noruega, Singapura, Novo México e Estados Unidos. Sobre o impacto das IAs, a Dra. Almuth Gastinger aponta que, em pesquisa realizada entre os bibliotecários da Norwegian University of Science and Technology, foi detectado que 50% dos respondentes já haviam recebido questionamentos na Biblioteca sobre o uso de IAs, por parte dos pesquisadores e, até mesmo, de outros bibliotecários (IFLA, 2023). Este depoimento confirma a necessidade de os profissionais da informação conhecerem e saberem utilizar estas ferramentas.
Rajen Munoo, bibliotecário da Singapore Management University, relatou que a universidade em questão encaminhou um e-mail para os professores e funcionários, reconhecendo a necessidade de incorporar estes avanços e, ao mesmo tempo, estar atentos ao uso indevido das inteligências artificiais, como forma de salvaguardar a integridade e os padrões de rigor acadêmico (IFLA, 2023).
Considerando o impacto que as IAs podem ter no trabalho dos bibliotecários, Leo S. Lo, da Universidade do Novo México, aponta que o ChatGPT, por exemplo, poderia ser utilizado para apoiar a formulação de assuntos e perguntas para questionários de avaliação. Segundo o bibliotecário, a aplicação de IA agilizou o processo: “[...] usei para me ajudar a desenvolver um estudo desde uma ideia vaga até a realização de uma pesquisa e do IRB [Institutional Review Board] em cerca de uma hora. Isso é algo que normalmente levaria dias ou até semanas!” (IFLA, 2023, tradução nossa).
A IFLA (2020), possui um documento nomeado IFLA Statement on Libraries and Artificial Intelligence, no qual são indicados usos das IAs em bibliotecas como: criação de conteúdo, classificação, pesquisa, descoberta, análise de dados para tomada de decisão (com base em compilação dos dados, para melhor aplicação de recursos, avaliação de estoque de materiais), entre outros. O documento ainda ressalta o importante papel que os bibliotecários têm na educação de usuários, para que estes possam coletar e usar as informações provenientes de IAs de forma eficaz e ética.
Em linhas gerais, Stige et al. (2023) indica que o uso das IAs (especialmente no contexto de avaliação de user experience) deve ser focado em automatizar processos de trabalhos manuais que demandem considerável tempo de execução. A partir deste conceito, para além da aplicação de IAs em atendimentos instrucionais, os bibliotecários também podem – e devem – fazer uso das ferramentas para otimizar os processos administrativos que envolvem a gestão das bibliotecas, agilizando os fluxos de trabalho.
5. Metodologia
A escrita do presente artigo utilizou como metodologia o relato de experiência para apresentar o desenvolvimento da reestruturação da Pesquisa de Satisfação Anual da Biblioteca da PUCRS. Este método foi escolhido por tratar-se de uma produção de conhecimento que tem como principal característica a descrição da intervenção, abordando uma vivência profissional (Mussi; Flores; Almeida, 2021).
Para a nova proposta de pesquisa na Biblioteca da PUCRS, optou-se por utilizar dois instrumentos que se complementam: questionários on-line e entrevista em profundidade. Esta combinação permite a escuta atenta do público-alvo, para compreendê-lo de forma assertiva e, como ressaltam Priestner e Borg (2016), consegue proporcionar uma experiência superior para o usuário das bibliotecas, que é o objetivo principal do serviço de informação.
5.1 Questionário on-line
Um dos recursos mais tradicionais utilizados para pesquisa é o questionário: “[...] instrumento de coleta de dados constituído por uma série ordenada de perguntas, que devem ser respondidas por escrito e sem a presença do entrevistador” (Marconi e Lakatos, 2021, p. 107). Sua principal vantagem é a versatilidade, pois pode ser aplicado em uma grande variedade de contextos. Quando o questionário é disponibilizado on-line, adicionam-se os benefícios de ser mais econômico, ágil em obter resultados, e as pessoas tendem a ser mais honestas do que quando respondem a um formulário presencialmente (Kotler e Keller, 2012). Marconi e Lakatos (2021) complementam a lista de benefícios deste instrumento, ressaltando a economia de recursos humanos; o alcance simultâneo de maior número de pessoas; a abrangência geográfica ampla; o menor risco de distorção das respostas pelo pesquisador; a impessoalidade na avaliação dos dados; a escolha do respondente de quando preencher o formulário e o tempo que levará para isto.
5.1.1 Revisão do formulário tradicional e definição das questões
A pesquisa de satisfação tradicional da Biblioteca Central da PUCRS contém doze perguntas, além de questões sobre identificação, e espaços de preenchimento obrigatório quando um usuário responde “insatisfeito” ou “muito insatisfeito” para algum tópico. As perguntas são distribuídas em cinco telas e incluem: categoria de usuário e faixa etária; canais de comunicação utilizados; recursos on-line; existência da bibliografia indicada em sala de aula; acesso através de dispositivos móveis; divulgação dos recursos e serviços; treinamentos; atendimento; infraestrutura física; atividades culturais; acolhimento da equipe; e nível de satisfação geral. Todas as questões de satisfação possuem as seguintes opções de resposta: muito satisfeito; satisfeito; parcialmente satisfeito; insatisfeito; muito insatisfeito; sem condições de responder. Tal formulário não possui apelos visuais, de modo que as perguntas são apresentadas apenas em formato de texto e desprovidas de cores, o que é justificável pelo contexto temporal em que a pesquisa foi elaborada.
Objetivando a remodelagem do instrumento tradicional, conforme estudos recentes em estudo de usuários e o cenário atual da Biblioteca, a primeira etapa deste projeto consistiu na reavaliação das questões e de seus motivos para permanecerem ou não na nova proposta de pesquisa. Foi desenvolvida uma tabela com quatro colunas: tema da questão (pergunta de identificação, comunicação ou recursos e serviços), a questão propriamente dita, ação (se seria retirada, mantida ou mantida com alterações), e justificativa. Determinadas questões foram excluídas porque já existem outras formas de coleta de dados que estão em uso pela Coordenação, como por exemplo as estatísticas de uso das bases de dados assinadas, o que torna desnecessário questionar ao usuário quais bases ele costuma acessar. Posteriormente, foram elaboradas novas questões que se mostraram interessantes conforme o contexto atual da Biblioteca e os recursos e serviços oferecidos.
A revisão e formulação de novas perguntas levaram em consideração diretrizes de eficiência para questionários, como o emprego de palavras simples e comuns, dispensando ambiguidades, jargões e abreviações, bem como negações nas perguntas (Kotler e Keller, 2012; Malhotra, 2019). Os enunciados foram elaborados visando à fácil compreensão e à liberdade do respondente. Neste contexto, Kotler e Keller (2012) e Malhotra (2019) destacam o que deve ser evitado: perguntas tendenciosas, vagas e imprecisas; alternativas implícitas; suposições; generalizações e estimativas. Os autores também indicam que a opção “outro(s)” sempre deve constar em perguntas com respostas pré-definidas. Igualmente, é preferível fazer perguntas específicas, com período de tempo identificado – por exemplo: na última vez que você esteve na Biblioteca, como foi atendido? – e questionar sobre situações reais, não hipotéticas, a respeito de serviços ou recursos que sejam utilizados pela maioria dos usuários.
Para que o questionário fosse adaptado ao foco e à finalidade da pesquisa, sua elaboração levou em conta que poderia conter perguntas abertas, fechadas ou ambas, sendo que:
As perguntas fechadas especificam de antemão todas as possíveis respostas e geram respostas fáceis de interpretar e tabular. As perguntas abertas permitem a quem responde fazê-lo em suas próprias palavras e, de modo geral, revelam mais sobre a opinião dos entrevistados. São particularmente úteis em pesquisas exploratórias, nas quais o pesquisador procura saber como as pessoas pensam, e não mensurar quantas pessoas pensam de determinado modo (Kotler e Keller, 2012, p. 108).
No contexto das bibliotecas universitárias, a utilização de serviços deve ser quantificada, todavia também se faz necessária a avaliação qualitativa dos serviços prestados e o estudo exploratório de necessidades não atendidas. Assim, optou-se pela combinação planejada de ambos os tipos de questões, abertas e fechadas, para tornar o questionário mais efetivo, sendo possível obter dados tanto qualitativos quanto quantitativos, que, conforme Malhotra (2019), são complementares e não excludentes. Na escrita de cada questão, por fim, também foi considerado que as perguntas não poderiam gerar no respondente a expectativa de que sua demanda seria certamente atendida, para evitar frustrações para com a iniciativa.
5.1.2 Elaboração e disponibilização de questionários mais ágeis
Na pesquisa tradicional, um único formulário concentra todas as perguntas, sendo divulgado no website e mídias sociais da Biblioteca, e pode ser preenchido uma vez ao ano. Porém, isto permite que os recursos e serviços sejam avaliados muito tempo após seu uso, possibilitando que o respondente não se recorde por completo de como foi sua experiência, o que pode causar distorções nos dados coletados. Considerou-se importante, então, aplicar o novo questionário o mais próximo possível da experiência que está sendo avaliada, deixando claro qual espaço, recurso ou serviço está em avaliação, para que o usuário não tenha dúvidas.
Esta necessidade fez com que a pesquisa fosse desmembrada em diversos formulários on-line, gerenciados no sistema Qualtrics, formados por menos perguntas e correspondentes a cada recurso ou serviço avaliado. Estes foram disponibilizados permanentemente no ambiente físico da Biblioteca, por meio de computadores com tela touch, para os respondentes avaliarem determinado aspecto no momento da sua utilização (Figura 1). Assim, instituiu-se a Pesquisa Permanente de Usuários.
Figura 1: Imagens da implementação da pesquisa
Fonte: acervo Biblioteca Central (2023)
Na nova proposta de investigação, optou-se por apresentar as questões não apenas por meio de textos, mas incluir apelos visuais que facilitam o preenchimento por parte dos respondentes. Para tanto, foram utilizadas cor verde no texto das opções positivas (Sim; Satisfeito; e outras) e cor vermelha para opções negativas (Não; Insatisfeito; e outras). Além disso, com o intuito de gerar familiaridade ao usuário, foram utilizados emojis (Figura 1), uma vez que este recurso é amplamente utilizado em redes sociais e aplicativos de mensagens no contexto atual.
Os computadores com as respectivas questões foram disponibilizados no ambiente físico da Biblioteca, sendo: um computador no térreo, em frente à recepção, com questão referente à experiência do usuário de forma geral na Biblioteca; outro computador no térreo, entre as escadas rolantes e os elevadores, que avalia a existência da bibliografia indicada em sala de aula e a percepção do usuário para com a infraestrutura para estudo; um computador no hall do segundo pavimento e outro computador no hall do terceiro pavimento, ambos perguntando se a demanda do usuário foi atendida e como ele se sentiu com o acolhimento da equipe. Destaca-se que também foi elaborado um formulário on-line para avaliação dos recursos e serviços virtuais ofertados. Este não foi disponibilizado em espaço físico da Biblioteca, pois objetiva a participação de usuários que utilizam a Biblioteca a distância, e está em tratativas para divulgação em 2024.
5.2 Entrevista: tratamento dos dados com inteligência artificial
A entrevista em profundidade foi incluída como opção complementar de pesquisa, sendo esta definida por Malhotra (2019, p. 122) como “[…] direta, pessoal, em que um único respondente é sondado por um entrevistador altamente treinado para descobrir motivações, crenças, atitudes e sentimentos subjacentes sobre um tópico”.
Especialistas defendem que este seria o melhor formato para pesquisas de usuários, tendo em vista sua versatilidade (Kotler e Keller, 2012). Este método possibilita a formulação de perguntas abertas, a oportunidade de o respondente contar vivências e esclarecer o contexto, a redução de interpretações equivocadas nos dados gerados, a geração de insights para novos projetos, e a promoção do sentimento de acolhimento no usuário.
Para que a entrevista seja fonte de informações novas, permitindo criação de serviços e oportunidades de crescimento para a instituição, ela deve se enquadrar na categoria de pesquisa exploratória. Stickdorn e Schneider (2014) caracterizam este método como uma etapa de descobertas, concordando com Malhotra (2019, p. 60) que aponta este método como “[...] muitas vezes, ponto de partida de toda a concepção”. Ou seja, a partir da entrevista exploratória, é possível obter diferentes perspectivas sobre as necessidades informacionais do público, traduzindo-as em projetos de novos recursos ou serviços mais assertivos.
Por esses motivos, além dos questionários on-line implementados com a Pesquisa Permanente de Usuários, considerou-se que a aplicação periódica de uma entrevista em profundidade contribuiria com insights para novos projetos na Biblioteca. Diferentemente dos questionários previstos, a coleta de dados por entrevista não ocorreria ininterruptamente, pois este método necessita de maior tempo e dedicação de colaboradores. Assim, este método de investigação foi realizado por um intervalo de quinze dias no mês de outubro de 2023, e sugeriu-se repetir o processo uma vez a cada semestre.
A entrevista foi elaborada de forma estruturada a fim de evitar ruídos na comunicação. Conforme Marconi e Lakatos (2021, p. 102), questão estruturada “[...] é aquela em que o entrevistador segue um roteiro previamente estabelecido [...]. O pesquisador não é livre para adaptar suas perguntas a determinada situação, de alterar a ordem dos tópicos ou de fazer outras perguntas”. Isto faz com que todos os usuários se deparem com o mesmo questionamento, independentemente de quem o realiza, sofrendo a menor influência possível em seu parecer.
Por esta razão, foi formada uma equipe de seis bibliotecárias para aplicação da entrevista e o grupo recebeu o devido treinamento por parte das bibliotecárias responsáveis pelo projeto. Durante o período estipulado, foi criado um ambiente próximo à entrada principal da Biblioteca, em local afastado do maior movimento de pessoas, com mesa, computador, poltronas e devida sinalização. Neste, uma bibliotecária ficava disponível para aplicação da entrevista, e os usuários eram convidados a participar quando entrassem ou saíssem da Biblioteca.
As respostas eram registradas com fidelidade às palavras do entrevistado por meio de gravação de voz, evitando tirar e registrar conclusões do que foi dito, pois uma conclusão teria viés pessoal. Ao início das entrevistas, a bibliotecária explicava o processo ao usuário, ligava o gravador e então lia um termo de consentimento, ao qual o usuário deveria responder estar de acordo para que a entrevista prosseguisse.
Foram elaboradas três perguntas para a entrevista, todas abertas, oportunizando que o usuário fizesse relatos livres, conforme abaixo detalhado:
- descreva passo a passo como se deu sua última vinda à Biblioteca e para qual finalidade você veio;
- relate uma situação específica, que tenha sido marcante, vivenciada na Biblioteca. E explique por que essa situação foi marcante;
- você já teve alguma dificuldade no uso da Biblioteca ou de algum serviço, para relatar?
Caso o usuário respondesse relatando apenas dificuldades ou experiências negativas, era acrescentada a pergunta: “Você teria uma experiência positiva para relatar?”.
Ao final de cada entrevista, a gravação era transcrita utilizando o sistema whisper.cpp (Gerganov, 2024), uma implementação em C++ do modelo de transcrição de áudio Whisper (Versão v1.4.0). Optou-se por utilizar esta versão otimizada, pois permite instalação local do sistema, e assim a anonimidade dos relatos não ficaria vulnerável em ambiente virtual. O Whisper é desenvolvido pela OpenAI, mesma criadora do ChatGPT, e consiste em um sistema de reconhecimento de fala automático baseado em inteligência artificial (IA). Assim, ele é capaz de transcrever áudios com alta precisão e em múltiplos idiomas. A ferramenta se mostrou bastante eficaz, mesmo em se tratando de discursos de pessoas estrangeiras, portanto, com sotaques variados. Ainda assim, as transcrições foram revisadas e eventuais palavras corrigidas, caso a ferramenta se equivocasse.
As respostas transcritas foram posteriormente inseridas em uma tabela, sendo que as colunas se referiam às perguntas enquanto cada linha representava as respostas de um usuário. Esta tabela foi submetida ao ChatGPT-4 e executados prompts, anteriormente criados e submetidos a testes pela equipe do projeto, para que se obtivessem análises e resultados fidedignos às respostas das entrevistas. Cada prompt foi elaborado visando o reconhecimento dos temas apresentados pelos respondentes e o agrupamento das informações em grandes áreas, a fim de condensar os dados obtidos e facilitar a análise da equipe para posteriores tomadas de decisão. A organização dos dados gerada pela ferramenta de IA está disponível na seção seguinte.
A opção pelo ChatGPT-4 para este tratamento de dados, em detrimento da versão gratuita ChatGPT-3, deu-se em função de a versão mais atual ser treinada em uma quantidade muitíssimo maior de parâmetros, possuir redução considerável de limitações e erros, além de apresentar melhor compreensão textual (OpenAI, c2015-2024). A versão mais recente desta ferramenta de IA permite a inserção de grandes quantidades de caracteres, que foi o caso, tanto no formato textual no campo de entrada quanto através do upload de arquivos. Os resultados apontados pelo ChatGPT-4 passaram ainda por avaliação da equipe do projeto, que atestou a confiabilidade das informações à luz dos discursos dos respondentes.
6 Resultados
Os resultados obtidos com a aplicação dos questionários e das entrevistas são descritos nos próximos subtópicos e devem ser avaliados comparativamente aos resultados da pesquisa de satisfação tradicional, uma vez que o projeto propôs esta reestruturação. A fins de parâmetro, portanto, a pesquisa tradicional da Biblioteca foi realizada de 13 de novembro a 01 de dezembro de 2023, aproximadamente três semanas de coleta de dados, e obteve 169 respostas.
Através deste método convencional, obteve-se 99% de nível de satisfação para com a infraestrutura física. Referente à existência da bibliografia indicada em sala de aula, o nível de satisfação foi de 75%, enquanto 21% indicaram “sem condições de responder”. Já o acolhimento prestado pela equipe foi avaliado com nível de satisfação em 96%, e 3% “sem condições de responder”. Por fim, o nível de satisfação geral para com a experiência na Biblioteca da PUCRS alcançou 100%, e 64 pessoas deixaram comentários escritos, que foram avaliados individualmente.
6.1 Questionários on-line descentralizados: sistema Qualtrics
A reestruturação da pesquisa tradicional implementou a Pesquisa Permanente de Usuários, cujos questionários foram disponibilizados em 6 de setembro de 2023 e os dados foram compilados em 25 de janeiro de 2024, através do sistema Qualtrics. Houve a obtenção de 556 respostas em cerca de quatro meses de coleta de dados, sendo 309 respostas referentes ao atendimento prestado, 83 respostas avaliando a infraestrutura física e a bibliografia, e 164 respostas sobre a experiência na Biblioteca de forma geral. O detalhamento dos resultados consta no gráfico a seguir.
Gráfico 1: Resultados
Fonte: dados da pesquisa (2024)
Apenas uma questão, além das caixas de texto disponíveis para comentários que constam em todos os formulários, continha espaço para escrita livre. A pergunta era “Para qual finalidade você veio à Biblioteca hoje?” e estava disponível no computador próximo à recepção. As respostas à esta pergunta incluíram: escrever, estudar, fazer pesquisas, visitar e conhecer, participar de capacitação, realizar empréstimos e devoluções, trabalhar, passar o tempo, imprimir documentos, consultar o acervo.
Os campos para comentários livres receberam 88 respostas, sendo os elogios principalmente relacionados ao ambiente propício para concentração e estudos, ao acervo completo, ao atendimento realizado com gentileza e eficiência. Já as sugestões de melhoria incluíram aquisição de livros específicos e de maior acervo para literatura de lazer, além de ideias que estão em fase de avaliação na Biblioteca.
6.2 Entrevista em profundidade: inteligência artificial ChatGPT-4
As entrevistas ocorreram entre 23 de outubro a 7 de novembro de 2023, totalizando 253 respondentes. As gravações foram transcritas com o auxílio do sistema whisper.cpp (Gerganov, 2024) e os dados textuais foram submetidos ao ChatGPT-4 com prompts específicos para obtenção de resultados que, posteriormente, passaram por revisão e avaliação por parte da equipe do projeto, a fim de atestar a confiabilidade das informações baseadas nos discursos dos respondentes.
A primeira questão “Descreva passo a passo como se deu sua última vinda à Biblioteca e para qual finalidade você veio” resultou em relatos de experiências positivas por parte dos usuários, como apreciação do ambiente silencioso e propício ao estudo, narrativas de descobertas sobre recursos ou serviços disponíveis, bem como admiração pela diversidade e qualidade do acervo. Este questionamento tinha o propósito de conhecer melhor as práticas de quem frequenta a Biblioteca e, neste sentido, os principais tópicos apontados foram os descritos no Quadro 1.
Quadro 1: Principais práticas dos usuarios
Categoria | Descrição |
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Finalidade da Visita |
Consulta e leitura de livros específicos |
Desenvolvimento de teses, dissertações ou trabalhos de conclusão |
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Estudo individual ou em grupo |
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Leitura para lazer ou interesse pessoal |
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Participação em eventos ou atividades acadêmicas |
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Pesquisa para trabalhos acadêmicos ou pessoais |
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Preparação para exames ou concursos |
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Realização de cursos de extensão ou outras atividades de aprendizado |
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Retirada ou devolução de livros |
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Uso de computadores e outros recursos tecnológicos |
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Espaços Utilizados |
Áreas com computadores |
Áreas mais silenciosas para concentração |
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Espaços para reuniões ou chamadas de vídeo |
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Guarda-volumes para armazenamento de pertences |
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Salas de estudo (individuais ou em grupo) |
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Serviços e Recursos Utilizados |
Atendimento e suporte recebido por funcionários |
Utilização de sistemas de autoempréstimo e devolução de livros |
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Solicitação de salas de estudo ou de notebooks |
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Uso de ferramentas de busca online para localizar materiais |
Fonte: dados da pesquisa (2024)
A questão “Relate uma situação específica, que tenha sido marcante, vivenciada na Biblioteca. E explique por que essa situação foi marcante” trouxe poucas experiências negativas, relacionadas especialmente à dificuldade em localizar os materiais nas estantes através do código de localização, tendo em vista a extensão da Biblioteca, de modo que os usuários precisam recorrer ao auxílio de funcionários.
A maioria das respostas abordou experiências positivas, que incluem: atendimento e suporte excepcional da equipe, destacando-se pela atenção, gentileza e eficiência; ambiente tranquilo e confortável, propício para estudos individuais e em grupo; ampla variedade de recursos, incluindo uma vasta coleção de livros, títulos raros, acesso a computadores e tecnologias; momentos especiais de aprendizado e descoberta, crucial para pesquisas ou trabalhos; realização de eventos culturais e acadêmicos enriquecedores; infraestrutura e organização elogiáveis, com boas salas de estudo; facilidade de acesso à Biblioteca; experiências agradáveis em palestras e eventos organizados; primeira visita impactante pela grandeza e organização do local; atendimento eficiente dos funcionários; encontros e interações significativas com orientadores e colegas; oportunidades de aprendizado diversificadas, incluindo capacitações oferecidas; experiências culturais e artísticas, como exposições e a presença de um piano.
Por fim, a questão “Você já teve alguma dificuldade no uso da Biblioteca ou de algum serviço, para relatar?” teve como intuito elencar possibilidades de melhoria em espaços, recursos e serviços. Para esta pergunta, os principais comentários foram: dificuldade em se recordar da senha utilizada para empréstimos e acesso a conteúdos on-line; dificuldade para localizar os livros nas estantes em virtude da não familiaridade com sistema de numeração utilizado; dificuldade em pesquisar no catálogo on-line, necessitando do auxílio de bibliotecários; dificuldade no uso de equipamentos, como scanners, em situações pontuais; dificuldade no cumprimento dos prazos de empréstimo, perdendo a data de renovação; dificuldade de novos usuários por não conhecer os sistemas e serviços da Biblioteca.
Os resultados foram encaminhados para análise do COAP, a fim de seguir com as boas práticas elencadas, bem como identificar pontos de melhorias em processos e serviços, para futuro desenvolvimento de ações, atendendo as necessidades listadas pelos usuários.
7. Discussão
A reestruturação da Pesquisa de Satisfação Anual, instituindo a Pesquisa Permanente de Usuários, mostrou-se benéfica tanto em quantidade de participantes quanto na qualidade do retorno obtido. Alcançar um maior número de respondentes foi possível em função do formato dos questionários, mais curtos e com atrativos visuais, bem como pelo fato de os formulários serem disponibilizados continuamente. Já a qualidade das respostas se refere ao fato de, na pesquisa tradicional em que existe apenas um questionário, os respondentes precisam avaliar todos os tópicos apontados, mesmo que não tenham utilizado o serviço ou recurso recentemente. Com a disponibilização de novos formulários, com questões específicas, os usuários podem responder apenas aos questionários que correspondem aos ambientes, recursos e/ou serviços utilizados por ele naquele momento. Isso torna as avaliações mais atualizadas e com dados mais assertivos.
O fato de a Pesquisa Permanente de Usuários ser disponibilizada continuamente também trouxe vantagens em termos administrativos, pois não é necessário aguardar um ano para se obter avaliações sobre a Biblioteca e sugestões de melhorias. Caso haja apontamento de alguma insatisfação, torna-se possível analisar o retorno obtido e tomar as ações necessárias com maior rapidez.
A combinação de questões fechadas com espaço para comentários livres trouxe bons resultados, pois permitiu tanto a extração das estatísticas expostas na seção Resultados quanto a coleta de novos apontamentos, que não necessariamente estivessem em avaliação no formulário. Estas novas sugestões possibilitam constantes melhorias na Biblioteca e embasamento para projetos futuros.
No que tange à entrevista em profundidade, atingiu-se o objetivo da iniciativa, pois foi possível identificar padrões positivos e a melhorar no ambiente físico, nos atendimentos, nos serviços, bem como conhecer as características e preferências dos usuários. Estas informações geram insights para novas ações e permitem tomadas de decisão administrativas e de marketing mais assertivas.
O uso das inteligências artificiais whisper.cpp (Gerganov, 2024) e ChatGPT-4 no tratamento dos dados qualitativos foi uma inovação na Biblioteca Central da PUCRS. Tendo em vista a quantidade expressiva de informações coletadas na entrevista, as ferramentas de IA otimizaram o tempo de processamento e de compilação dos dados de forma organizada. Destaca-se, contudo, que foi necessário planejamento e responsabilidade no uso destes recursos. No caso do sistema Whisper, tomou-se o cuidado de utilizar uma versão otimizada (Gerganov, 2024) para instalá-lo localmente, a fim de evitar a exposição dos áudios da entrevista, que eram anônimos, ao ambiente virtual. Após as transcrições pela IA, a equipe do projeto realizou a revisão destes textos e eventuais correções, assegurando que a economia de tempo proporcionada pela inteligência artificial não afetasse a qualidade do processo. Já no que se refere ao uso do ChatGPT-4, antes da submissão final dos dados à ferramenta, foram realizados diversos testes de prompts com amostras, até que se chegasse aos comandos corretos para a análise desejada. Da mesma forma, após o processamento pela inteligência artificial, os resultados foram conferidos pela equipe, que atestou a veracidade das informações. Com isto, verificou-se que existem muitas vantagens na otimização de tempo e de processos com o uso das inteligências artificiais, todavia elas devem ser utilizadas como suporte ao trabalho analítico do profissional bibliotecário, e não como único recurso na análise de dados.
Considera-se, assim, que o projeto de reestruturação da pesquisa de satisfação anual da Biblioteca da PUCRS foi bem-sucedido e deve ser mantido. Sugere-se que a estrutura e o conteúdo da Pesquisa Permanente de Usuários sejam revisados periodicamente, por bibliotecários qualificados na área de User experience, visando que o método continue eficiente ao que se propõe. De igual modo, indica-se que o formato da entrevista e suas questões sejam revistos regularmente, objetivando o crescente engajamento dos usuários. Estes processos de revisão garantem que a pesquisa permaneça de acordo com o estado da arte em pesquisas com usuários, acompanhe a evolução tecnológica e as mudanças de perfil do público-alvo.
8 Considerações finais
A pesquisa de satisfação com os usuários, um instrumento tradicionalmente utilizado para avaliar serviços e recursos, passou por uma reestruturação significativa na Biblioteca Central da PUCRS, baseada na literatura científica recente sobre user experience. Essa iniciativa visou alcançar maior engajamento do público, que está em constante transformação, além de obter dados mais acurados, atingir maior qualidade nas respostas, obter insights para novos projetos e inovar na coleta e análise das informações, por meio do uso de ferramentas de inteligência artificial.
Esses objetivos foram cumpridos em sua totalidade, por meio da metodologia adotada. A combinação de questionários on-line com entrevistas em profundidade, bem como o uso do whisper.cpp (Gerganov, 2024) e do ChatGPT-4 neste processo não apenas otimizou a coleta e análise de dados, como transformou um processo tradicional de pesquisa em uma nova ação, alinhada às tendências tecnológicas.
O processamento de dados automatizado pelas inteligências artificiais minimizou o risco de erros humanos e garantiu um retorno mais ágil, o que possibilitou à Biblioteca desenvolver ações com mais rapidez e atender às demandas de forma mais assertiva. Ficou evidente que o ChatGPT-4 tem capacidade para analisar grande volume de informações de maneira eficaz, inclusive auxiliando a identificar padrões e a compreender comportamentos e preferências dos respondentes. Como resultado, a unidade de informação vem a conhecer melhor seus usuários e pode personalizar os atendimentos e as comunicações, do mesmo modo que consegue promover melhorias e inovações qualificadas em serviços e recursos.
O papel do bibliotecário deve ser repensado à luz da experiência relatada neste artigo. O uso do sistema whisper.cpp (Gerganov, 2024) para transcrição bastante precisa das entrevistas, bem como a eficiência do ChatGPT-4 na interpretação de dados qualitativos exemplificam como a tecnologia pode ser aplicada no dia a dia do profissional, potencializando a gestão da informação. Assim, pode-se considerar o uso das IAs para automação de outros processos anteriormente manuais, permitindo que os bibliotecários invistam seu tempo e seus esforços em funções mais analíticas e estratégicas nas instituições.
É importante, igualmente, atentar para as discussões éticas em torno do uso das inteligências artificiais em todas as áreas, a fim de garantir transparência nos processos, segurança e privacidade de dados conforme cada caso. A supervisão humana e crítica em cada etapa do uso das IAs também não pode ser negligenciada, uma vez que tais ferramentas dependem de configurações e prompts personalizados para que executem as tarefas com exatidão e analisem os dados de forma neutra e eficiente.