Informatio
25(2), 2020, pp. 228-248
ISSN: 2301-1378
DOI: 10.35643/Info.25.2.10

Reseña


 

BERTOLOTTI, Virginia y COLL, Magdalena (coords.). Las formas de decir. La prensa en Uruguay en el siglo XIX. Montevideo: Universidad de la República, 2020.1

 

Alexandre Xavier Limaa

 

a Doutor em Letras Vernáculas/Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Professor Adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Trabalha com edição crítica, normatização gráfica e periódicos do Brasil oitocentista. ORCID: 0000-0003-3159-270X.

 

O presente livro trata, como seu próprio título já anuncia, das formas de dizer, uma bela imagem da língua e do discurso fotografados nos veículos impressos no Uruguai oitocentista. “Las formas de decir: La prensa en Uruguay en el siglo XIX” não é só um convite à história do espanhol no Uruguai, como apontam as organizadoras: trata-se, também, de um mergulho na história da formação da imprensa uruguaia, um verdadeiro marco dos estudos do periódico como objeto de investigação. Coordenada por Virginia Bertolotti e Magdalena Coll, a obra é fruto do projeto “Lengua y prensa en el Uruguay del siglo XIX”, financiado por la Comisión Sectorial de Investigación Científica de la Universidad de la República Uruguay (Udelar). Reúne trabalhos de pesquisadores da Facultad de Información y Comunicación e da Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación dessa mesma instituição. A execução de uma empreitada de tamanha envergadura histórico-linguística exige mais do que um conjunto de documentos antigos. De fato, sua base de dados advém nada menos do que o “Corpus Diacrônico e Diatópico do Espanhol da América” (CORDIAM), dirigido por Concepción Company Company (Universidad Autónoma de México) e Virginia Bertolotti (Udelar). O CORDIAM, criado para fortalecer o conhecimento e memória da América espanhola, abarca três conjuntos documentais, tratados filologicamente: “documentos”, “literatura” e “imprensa”, produzidos entre 1494 e 1905. Como se verifica, logo nessa cadeia de investimentos de pesquisa, a presente obra configura-se num elo a mais de qualidade.

Interessa ao projeto desse livro, mais especificamente, o CORDIAM-PRENSA, estabelecido a partir do “Anáforas”, repositório digital da Facultad de Información y Comunicación da Udelar que coleta documentação da impressa uruguaia dos séculos XIX e XX. A opção por essa parte do CORDIAM visa não apenas cobrir a produção jornalística no Uruguai desde seu período fundador, mas principalmente reconhecer seu papel na difusão de modelos de língua.

Para atingir esse objetivo, o perfil de excelência das organizadoras se fez presente na coordenação de Virginia Bertolotti (Facultad de Información y Comunicación) e Magdalena Coll (Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación), experientes pesquisadoras da História da Língua Espanhola nas Américas, com destaque, além da formação de corpora histórico-diacrônicos, nos estudos sócio-históricos e histórico-sincrônicos da língua espanhola, especialmente na representação da língua de escravos na imprensa Uruguaia e de estudos das formas de tratamento no século XIX.

Além de Professora Titular do Departamento de Medios y Lenguajes del Instituto de Comunicación de la Universidad de la República e coordenadora do projeto “Corpus Diatópico y Diacrónico del Español Americano”, Virginia Bertolotti é membro de Número da Academia de Letras do Uruguai. Esse reconhecimento também faz-se sentir internacionalmente. Um bom exemplo se verifica na entrevista que concedeu à revista “Working Papers em Linguística: Formas e fórmulas de tratamento do mundo hispânico, luso e brasileiro” (Oliveira & Coelho, 2019). Nessa publicação internacional, Bertolotti é apresentada, ao lado de Carlos Alberto Faraco, como linguistas representantes do mundo luso-brasileiro e do mundo hispânico respectivamente. Deve-se destacar que todos os artigos que seguem nesse volume estão articulados a contribuição desses dois nomes da linguística latino-americana, sobretudo, aos estudos sobre formas de tratamento. Deve-se ressaltar que, desde o doutorado, com a tese “Los cambios en la segunda persona del singular durante el siglo XIX en el español del Uruguay”, defendida na Universidad Nacional de Rosario (Argentina), investiga, numa perspectiva histórica, a conformação da língua espanhola na América Hispânica, com destaque para as formas de tratamento. Assim, procura compreender por que a forma “vosotros” não está presente no espanhol americano. Entre as suas publicações, destacam-se “A mí de vos no me trata ni usted ni nadie”. Sistema e historia de las formas de tratamiento en la lengua española en América” (2015), reconhecida como obra de “gran relevancia para hispanistas y romanistas”, o que lhe rendeu o primeiro lugar em “Premios Anuales de Literatura”, concedido pelo Ministerio de Educación y Cultura de Uruguay. Quando diz ser necessário se preocupar com “la calidad de los datos con los cuales hacemos historia de la lengua y por la forma de interpretarlos”, para a revista “Working Papers em Linguística”, deixa transparecer a sua consciência quanto à importância da construção de corpus representativo para os estudos diacrônicos, presente em seus trabalhos.

Também membro de Número da Academia Nacional de Letras do Uruguai e Professora de la Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación de la Universidad de la República pelo Departamento de Psico y Sociolinguística del Instituto de Linguística, Magdalena Coll dedica-se aos estudos de Linguística Histórica, Línguas em Contato e Lexicografia do Uruguai entre os séculos XVIII e XIX. Seu interesse pelos estudos diacrônicos faz-se sentir em suas publicações, dentre elas, “Una historia sin fronteras: léxico de origen africano en Uruguay y Brasil” (2012) e “El habla de los esclavos africanos y sus descendientes en Montevideo en los siglos XVIII y XIX: representación y realidad” (2010). Não por acaso integra o Grupo de Estudios Lingüístico-históricos del Uruguay y el Grupo de Investigación en Terminología y Organización del Conocimiento de la Universidad de la República. Sua atuação tem repercussão internacional. Um exemplo é a sua participação no evento da Associação Brasileira de Linguística (Abralin), “Abralin ao Vivo - Linguists Online” (2020), quando provoca a reflexão não apenas sobre a seleção de documentos históricos para o estudo de contato linguístico, mas também sobre sua representatividade. Pela Associação de Linguística e de Filologia da América Latina (ALFAL), na ocasião do cinquentenário da associação, foi responsável, ao lado de Leonor Fávero e Márcia Molina, por rastrear os estudos sobre a relação da língua espanhola e portuguesa, na perspectiva hispânica. Nesse estudo, constata a expansão dessa área e o papel desempenhado pela ALFAL para o seu crescimento. Ao lado de Bertolotti, tem colaborado para os estudos diacrônicos, em trabalhos, como " Las fuentes para el estúdio histórico del español del Uruguay" (2002-2003) e “Retrato lingüístico del Uruguay. Um enfoque histórico sobre las lenguas en la región” (2014).

Nesta nova parceria, Bertolotti e Coll oferecem aos leitores uma “apresentação” muito bem organizada, em que se consegue vislumbrar perfeitamente o que encontrar nas três seções em suas mãos: a primeira destinada a questões discursivas em que se apura a formação dos gêneros jornalísticos, considerando as “Tradições Discursivas” de que são originários; a segunda, aspectos gramaticais correlacionados a aspectos textuais; e a terceira, a historiografia da imprensa uruguaia. Todas obedecem ao mesmo recorte, a imprensa do século XIX no Uruguai, mas com a liberdade de delimitar seu próprio corpus, tendo em vista os objetivos e questões de cada pesquisa. Essa organização permite ao leitor, progressivamente, ir tomando consciência das múltiplas vozes que se constituíram no processo dialético de comunicação, durante o processo de formação do País, revelando um complexo campo de investigação ainda em construção em que, gêneros veiculados em jornais e revistas são, simultaneamente, tomados como fonte de dados e objeto de pesquisa. E isso exatamente no período fundador da imprensa uruguaia, quando o jornal se torna um espaço de defesa e de disputa político-ideológica e a linguagem faz-se essencial para interação entre os grupos sociais, trazendo a mediação entre novas e antigas práticas discursivas, conformando novas finalidades de comunicação às tradições textuais já existentes.

Além do projeto temático observado entre as seções, é possível reconhecer uma unidade na organização interna dos capítulos. Salvo a algumas exceções decorrentes do tipo de investigação, nota-se a preocupação em descrever o corpus e relatar as decisões para sua constituição, explicitar alguns pressupostos teórico-metodológicos e apresentar a análise e os resultados da investigação. Essas partes, ora com maior, ora com menor intensidade dão aos textos um caráter científico, naquilo que há de melhor nessa linguagem: clareza, objetividade e organização na exposição. O leitor se sentirá guiado para a compreensão do tema abordado.

Na primeira seção, estuda-se a língua através do discurso, associando formas linguísticas a gêneros discursivos. Ao estudar gêneros e tipos em textos do passado, fez-se capital a adoção do conceito de “Tradição Discursiva” (TD), consoante à proposta de Johannes Kabatek (2005), quando afirma que “Tradição Discursiva” é uma repetição de um texto, de uma forma textual, ou de uma maneira de dizer que, pela habitualização linguístico-social, assume valor próprio, torna-se significável em si, ancorada em configurações pragmáticas identificáveis, também, na expectativa dos falantes/leitores de suas continuidades. Esse conceito ajuda a compreender os processos envolvendo uma inovação até alcançar a estabilização.

Nesse sentido, se por um lado o primeiro capítulo investe no movimento dos gêneros para as formas linguísticas que os caracterizam, o capítulo dois estuda uma forma linguística e, consequentemente, os gêneros em que aparecem. À primeira vista, poder-se-ia pensar na possibilidade de o capítulo dois ter sido mais bem alocado na seção dois, pois estuda um fenômeno linguístico, o emprego de pronomes plurais “vosotros” e “ustedes”. No entanto, enquadra-se bem à primeira seção por justamente compartilhar de critérios discursivos para a compreensão dos dados, como tipos e gêneros textuais. A própria autora relata que não se trata de uma análise gramatical, mas uma análise em que se relaciona sintagma nominal e filiação tipológica e de gênero textual dos pronomes.

O primeiro capítulo, intitulado “El fruto de sus predecessoras: El rol de las tradiciones discursivas en la conformación de los géneros de prensa en el Uruguay del siglo XIX”, escrito por Hernán Viera, da Facultad de Información y Comunicación (Udelar), procura demonstrar a construção e evolução dos gêneros da imprensa no Uruguai oitocentista, tendo como fundamento as “Tradições Discursivas” associadas aos gêneros jornalísticos. Para tal expediente, o autor contextualiza a produção insipiente, que se apoiava inicialmente em práticas espontâneas e caóticas até se estabilizar na segunda metade do século. Como marco histórico da imprensa uruguaia, aponta a ação de Carlota Joaquina que presenteia o governo de Montevideo com uma imprensa em 1810 com intenção de defender os interesses da metrópole, em meio a ameaça revolucionária e assim conter o avanço das ideologias de independência. Destaca, ainda, os desafios dos editores, que malgrado não disporem de muitos recursos financeiros e materiais, nem de modelo para inspirar seus escritos, conseguiram utilizar os impressos para difundir ideais político-filosóficos dos grupos a que pertenciam usando os modelos retóricos de seus círculos letrados.

A partir dos textos selecionados do CORDIAM, Viera observou as peculiaridades linguísticas e retóricas e a classificação por tipo e por gênero. Ele ainda contrastou os textos de mesmo gênero, considerando os periódicos, épocas e posições políticas. O autor adotou como recorte a análise de “editoriais”, “notícias” e “anúncios publicitários”.

Hernán Viera retoma o conceito de “Tradição Discursiva”, cunhado na romanística alemã desde, dentre outros, Oesterreicher, Stoll & Wesch (1998) e muito difundido nas Américas nos trabalhos, em especial, de Jacob & Kabatek (2001). Isso significa reconhecer que não apenas os gêneros, mas também partes de textos ou modos de dizer que assumem um valor de signo, ou seja, dão identidade a uma realização discursiva. Como conclui Kabatek “Todos os gêneros são tradições discursivas, mas nem todas as tradições discursivas são gêneros” (2012, p. 587). É por isso que afirma que não é difícil identificar os gêneros. A tarefa maior é identificar que repetições nos textos promovem a “habitualização” que os configuram, para os leitores, como pertinentes a um dado gênero. Além dos traços linguísticos apontados pelo autor, vale destacar, para a identificação dos gêneros, a importância dos próprios rótulos atribuídos, à época, pelos jornais aos textos, e de suas localizações dentro dos tabloides, e mesmo dentro das páginas.

O autor apoia-se também na definição de gênero segundo Bakhtin, para compreender o “gênero discursivo”. Deve-se, de fato, atentar para a noção de “tipo textual” que geralmente o acompanha. Neste trabalho, essa noção basicamente corresponde a “domínios discursivos”. Assim, quando o autor estabelece como tipos analisados “opinativo, informativo e publicitário” vincula-os à ideia de domínios discursivos. Nesses domínios, estão os diversos gêneros. No entanto, a mesma expressão pode se referir a sequências textuais, como aponta Luiz Antônio Marcuschi (2008, p. 154-155). Convém lembrar que nem sempre uma TD vai coincidir com o gênero discursivo. Como a definição de Kabatek destaca, a TD pode ser simplesmente uma sequência textual, um fenômeno linguístico, ou gráfico, ou ainda uma forma de dizer. Isso fica bem demonstrado, quando Hernán Viera elenca traços linguísticos identitários de cada gênero.

Viera comenta que não são os autores dos textos os únicos atores relevantes do processo de conformação e reformulação de gêneros. Há suspeita de uma participação do leitor, como referência. Apesar de não avançar empiricamente nessa área, esboça algumas questões para seu desenvolvimento. Acredita que o jornal teve impacto na sociedade porque penetrou inclusive nos grupos iletrados, que se integravam através de leituras públicas, à semelhança do que apontou Pacífico Barbosa (2007) para o Brasil oitocentista. Os editores procuravam observar a reação desse público, tentando otimizar o produto jornalístico. Segundo Viera, esse leitor-ouvinte também interferiria nesse processo de modelagem dos gêneros. Deve-se, no entanto, considerar que, se o leitor é iletrado, possivelmente seus modelos estão restritos a gêneros orais ou oralizados. Além disso, se a intenção é produzir a partir daquilo que é conhecido pelo leitor, deve-se imaginar que esse leitor pode conhecer os gêneros jornalísticos de outros países, caminho reconhecido no gênero “notícia”. Isso não é só uma evidência da complexidade, mas a constatação de muitos caminhos que podem ser desenvolvidos a partir dos estudos desenvolvidos nesta pesquisa, que tem o mérito de desenvolver um trabalho pioneiro para a construção da história dos gêneros jornalísticos no Uruguai. Em meio a conjecturas e interrogações, Hernán Viera consegue reconhecer algumas regularidades: um autor quando não conta com um formato jornalístico para a construção do texto apela para modelos reconhecidos e socialmente aceitos de TD de fora da imprensa. Para garantir a recepção, busca formatos habituais para os leitores. Defende, portanto, que se transferem elementos de um tipo discursivo tradicional para gerar um modelo inovador.

Sob o título “Los tratamentos plurales en la prensa emergente en el Uruguay del siglo XIX”, escrito por Virginia Bertolotti, da Facultad de Información y Comunicación (Udelar), o capítulo dois busca descrever o emprego de pronomes plurais “vosotros” e “ustedes” a partir de textos da imprensa periódica em formação do Uruguai, no século XIX. Com dados extraídos do CORDIAM, especificamente da imprensa uruguaia, Bertolotti analisou a combinação sintagmática de pronomes e formas nominais, os tipos textuais e os gêneros discursivos. Sob a luz do conceito de “Tradição Discursiva”, defende que a conservação de “vosotros” é um caso de especialização, em contextos diafasicamente formais, diastraticamente cultos, herdeiros de gêneros persuasivos públicos.

A própria autora reconhece que o estudo de formas de tratamento tem sido muito visitado no espanhol. O diferencial de seu estudo em relação à bibliografia existente está na preferência por formas de tratamento no plural. Mais raros que os estudos dessas formas são os estudos diacrônicos sobre o assunto. Seria inclusive inédita a análise desse estudo considerando textos da imprensa uruguaia do século XIX. Dos estudos diacrônicos escassos, reconhece a contribuição de García, De Jonge, Nieuwenhuijsen y Lechner (1990), ao explicar o surgimento da forma a partir de “vos”, como consequência de estratégia desambiguização. A forma “vosostros” se generalizou ao fim do século XV e prevaleceu sobre “vos” no século XVI. O espanhol trouxe para América justamente esse sistema. Os trabalhos apontam para a vitalidade de “vosotros” até o final do séc. XVIII. Vale destacar que a escolha por textos jornalísticos da nascente imprensa uruguaia justifica-se como solução para uma questão da Linguística de Corpus: o enviesamento de dados. Segundo a pesquisadora, os estudos de formas de tratamento privilegiaram corpus formado por carta, gênero da esfera privada, que oferece poucos dados de formas de tratamento no plural. A presente análise centra-se, portanto, na imprensa periódica, por ser um meio de comunicação pública, de caráter massivo em que é possível a presença de discursos diretos a mais de um destinatário. Por ser uma forma de prestígio no período, deveria estar a serviço da difusão de ideias políticas, servindo de fonte idônea para a investigação empírica, ou seja, pesquisas que se apoiam em documentação fidedigna.

Ao apresentar a bibliografia existente sobre formas de tratamento, a autora relata que os parâmetros para o tratamento plural de singular têm sido abordados como coincidentes (Brown & Gilman, 1960), isto é, analisados de acordo com a “formalidade, a solidariedade, a proximidade e a familiaridade” (Carricaburo, 1997). Contudo, defende que a divisão do plural não deve obedecer aos mesmos parâmetros do singular. Analisar os valores de “vosostros” permite reconhecer os parâmetros que regulam os tratamentos, e o peso das “Tradições Discursivas” e sua relação com gêneros.

O estudo apresenta resultados consistentes. Por exemplo, no início do século XIX, a forma “vosostros” possui certa frequência a ponto de não se caracterizar como “episódica”, com total de ocorrência próximo a “ustedes” (este com pequena vantagem), o que promove a revisão dos estudos que atestam o desaparecimento da forma já no século XVIII. Ao comparar os dois períodos criados para o séc. XIX (1800-1830 / 1875-1899), notou-se decréscimo de “vosostros” frente ao uso de “ustedes” que cresceu só no segundo período.

A explicação sobre a origem dessa tradição, a que a autora associa à influência dos discursos religiosos na imprensa, pelo fato de a oratória ser quase exclusivamente religiosa, é uma suposição, ainda pouco desenvolvida neste trabalho, mas extremamente relevante, tendo em vista a convivência com o corpus demonstrada na análise. Cabe, por fim, mencionar o destaque dado por Bertolotti à diversificação das fontes para análise linguística que dê conta, parafraseando Willian Labov, de historiar as línguas e de fazer o melhor a partir de maus dados. Por isso, não se coloca como trabalho concluído, mas que permite avançar sobre a compreensão do funcionamento de um aspecto da língua, presente em textos representativos do Uruguai oitocentista.

Na segunda seção de “Las formas de decir: La prensa en Uruguay en el siglo XIX”, investe-se no estudo do léxico e da gramática dos textos produzidos pela imprensa uruguaia oitocentista. Percebe-se, nos trabalhos, mais do que o interesse de avançar nos estudos de um dado fenômeno linguístico em uma dada sincronia passada. Nota-se a intenção de reconhecer o potencial linguístico do corpus e, a partir de sua gramática, revelar alguns aspectos sobre a constituição de referenciais para a norma culta uruguaia.

O capítulo três, intitulado “«Es mas comercial, mas, fin de siécle»: extranjerismos en la prensa del Uruguay de fines del siglo XIX”, escrito por Magdalena Coll, da Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación (UDENLAR), e por Mayte Gorrostorrazo, da Facultad de Información y Comunicación (Udelar), tem por objetivo estudar o léxico empregado em textos da imprensa da segunda metade do século XIX no Uruguai, em particular, ao léxico pertencente a línguas europeias distintas do espanhol.

As autoras salientam que, se por um lado, têm sido produtivos os estudos sobre fonética, fonologia e morfossintaxe que cooperam para a compreensão da identidade linguística uruguaia, por outro lado, os estudos lexicais foram poucos explorados até o momento. Nesse sentido, o estudo do léxico que considere de forma sistemática a imprensa como fonte de análise cresce em ineditismo. Testemunham inclusive que, somente a partir de 2016, os estudos da história do espanhol investiram nessa qualidade de corpus. Isso ocorreu graças à instituição da comissão de setorial de investigação científica da Udelar, que tem por objeto o espanhol do Uruguai na imprensa do século XIX. Favoreceu esse movimento também a facilidade de acesso de textos proporcionado pelo CORDIAM.

O estudo do léxico, a partir de dados da imprensa uruguaia oitocentista, é essencial para Coll e Gorrostorrazo, pois a sociedade uruguaia passava por transformações que impulsionaram o uso de um léxico inovador. Esse léxico encontra nos periódicos o meio de comunicação que se expande pelo país, abarcando vários temas, como comércio, espetáculos, economia, muitas vezes vinculados à presença de línguas estrangeiras.

Nessa investigação, as autoras utilizaram 420 unidades hemerográficas do CORDIAM, pertencentes a periódicos do último quartel do século XIX. De acordo com as pesquisadoras, as publicações têm alto conteúdo político. Os leitores encontrarão no texto o posicionamento político de cada periódico, bem como uma breve história de cada um deles, a partir dos estudos de Álvarez Feradjans (2008) e Viera (2020). O corpus apresenta palavras de origem inglesa, francesa, italiana, portuguesa e alemã. Para o levantamento de dados, utilizou-se o software “AntConc” (Lawrence, 2017), que possui um conjunto de ferramentas para a análise de corpus textual capaz de ordenar as palavras de acordo com os critérios estabelecidos, ou apresentar as palavras em seus contextos. Vale destaque na metodologia o uso de um corpus complementar da Imprensa uruguaia da primeira metade do século XIX para a proporcionar um olhar diacrônico com o corpus principal da segunda metade do XIX.

De certo modo, essa articulação de materiais oitocentistas poderá servir não apenas para expandir trabalhos anteriores, como o de Bertolotti e Coll (2014), que tratam de aspectos gerais do século XVIII sobre a variedade uruguaia do espanhol, mas, principalmente, poderá abrir caminho de abordagens não concentradas em uma só área léxica (campos semânticos específicos, como alimentação ou vestuário), ou em uma só língua estrangeira. Essa é a implicação, a partir do corpus estudado, da pergunta sobre “as áreas temáticas mais permeáveis a tomar as vozes de outras línguas”. Um caminho muito profícuo e um exemplo de como o próprio corpus pode inspirar o objeto de investigação.

Coll e Gorrostorrazo, ao analisar os dados, revelam um ponto importante: a permeabilidade da imprensa aos estrangeirismos como um traço característico do fim do século XIX, em consonância às condições culturais, sociais, políticas e comerciais da época. Como, nesse período, França, Inglaterra e Itália eram vistos como focos de prestígio, predominam galicismos e anglicismos em consequência da influência inglesa e francesa. Os galicismos não só aparecem em política e crítica social, como também estão presentes em assuntos como corrida de cavalos, moda, comércio e gastronomia; já os anglicismos encontrados se relacionam ao comércio, finanças e esporte.

Por fim, afirmam que a maior parte dos estrangeirismos são internacionais, ou seja, aparecem em outras variedades do espanhol americano. Mesmo sem aprofundar a afirmação, a simples presença de estrangeirismos é uma evidência do quanto a imprensa serviu para difusão de vozes, e por que não dizer Tradições, para além das fronteiras uruguaias. Como tudo isso operou noutras prensas latino-americanas? Veja-se, aqui, uma boa implicação do capítulo para pesquisas na área.

O capítulo quatro da obra, sob o título “El pretérito perfecto compuesto en español uruguayo del siglo XIX, foi escrito por Soledad Álvarez, da Facultad de Información y Comunicación (Udelar). Discorre sobre o pretérito perfeito composto (PPC) em oposição ao pretérito perfeito simples (PPS) em corpus de documentos manuscritos marcado pela oralidade e em um corpus formado por texto da imprensa periódica, marcado pela literacidade. Adota as considerações de Koch e Oesterreicher (2007) para afirmar que os textos de documentos manuscritos se inscrevem em tradições que se aproximam ao polo da “oralidade conceitual”, enquanto o corpus da imprensa evidencia tradições de “escripturalidade conceitual”.

Para alcançar tais resultados, Álvarez lembra a contribuição da descrição tradicional, que vai dizer sobre a forma simples expressar a anterioridade ao momento da fala, constituindo um âmbito próprio no passado, em momento anterior distinto da atualidade do falante. Enquanto a forma composta indica anterioridade dentro do âmbito do presente, pertencendo, portanto, à atualidade do falante – uma ação se realiza antes do ponto zero que serve de referência para medir o tempo. Acredita, porém, que a variação entre os dois tempos não pode ser explicada por esses valores. O espanhol do Rio da Prata se caracterizaria pela prevalência da forma simples, com baixa frequência da forma composta. Dessa maneira, o PPS seria a variante não marcada que, ao ter menos restrições de uso, poderia ocupar tanto sua própria função, quanto a da forma composta. Pode, portanto, dar conta de valores do momento da enunciação, o que coloca em xeque a oposição que tradicionalmente se dá ao PPC para se opor a outras formas. Por isso, realiza um levantamento dos estudos que descrevem e analisam tais formas no espanhol do Rio da Prata, sincrônica e diacronicamente, tendo em vista novas caracterizações que deem conta da distinção entre variantes. Para Álvarez, as razões que distinguem PPS e PPC são de ordem pragmático-discursivo. No plano discursivo, o locutor escolhe uma forma como estratégia discursiva de modalização, com graus distintos de adesão ou distanciamento frente as ações processos ou estados.

O corpus da imprensa é, de fato, o diferencial da aplicação dessa presente pesquisa. Se já seriam poucos os trabalhos diacrônicos que se debruçam sobre essas formas, ainda mais os que utilizam essa qualidade de impressos. Quando investem em estudos diacrônicos, como Groppi (1993) e Henderson (2018), trabalham com correspondências da esfera privada. Sobre os trabalhos diacrônicos, destacam a contribuição de Henderson que encontra certas ocorrências de PPC de caráter formulaico, próprias da tradição discursiva epistolar. Observa que a indicação de tempo é ambígua ou indiferente. O PPC aparece no campo genérico e o PPS, particular. Já no século XIX se observa o surgimento da conceitualização genérica, indeterminação temporal e não inclusão explícita do momento de fala – característica do espanhol do Rio da Prata. A autora procurou, enfim, ratificar tais informações em textos da imprensa uruguaia. Além de fazer uso de uma fonte inédita, centrando-se em analisar documentos variados (“correspondência epistolar”, “expedientes criminales”, “testamentos”, “demandas”, “solicitudes”, “memoriais”), a relevância desse trabalho está na utilização do CORDIAM como fonte de pesquisa, adotando como parâmetros os tipos textuais e o recorte temporal em dois períodos (1800-1830/1870-1899) com intervalo de quarenta anos, para observar diferentes gerações. Isso possibilitou a criação de subcorpus, que permitem ver com maior nitidez as mudanças entre momentos sócio-históricos bem diferentes, o primeiro, final da época colonial, o segundo, a modernização do estado.

Deve-se destacar a organização metodológica do trabalho de Álvarez, que parte da descrição tradicional, dialoga com os estudos teóricos e contribuiu com sua análise para o desenvolvimento do tema. Graças ao rigor metodológico, consegue ratificar com mais consistência alguns postulados teóricos, reconhecer o diferencial do corpus da imprensa e contribuir para o estudo da mudança de uma forma relevante para a região do Rio da Prata.

O capítulo cinco, “Descripción y cronología de las relativas explicativas de atributo antepuesto en documentos de archivo y de prensa del Uruguai en los siglos XVIII y XIX”, escrito por Macarena González Zunini, da Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación (Udelar) apresenta a descrição e cronologia da “relativa explicativa de atributo anteposto”, estrutura apresentada através do exemplo “Juan Antonio Artigas, vecino que fue de Buenos Ayres”, em que se observa um antecedente humano, seguido por uma copulativa caracterizadora, formada com o verbo “ser” com a anteposição do atributo, principalmente quando o substantivo anteposto designa um estado, que denota uma função sociocultural (ocupações, cargos ou outro tipo de distinção social). Segundo Zunini, a relativa existia no espanhol peninsular desde o séc. XII e no continente americano desde o séc. XVI. É, portanto, uma interessante abordagem de uma estrutura com longo percurso na língua espanhola sem igual vitalidade na sincronia presente.

Para a descrição das relativas explicativas de atributo anteposto, tomaram-se os documentos dos séculos XVIII e XIX do território correspondente ao Uruguai e a classificação do CORDIAM. Como a intenção é apresentar a cronologia da estrutura, a autora não estabelece intervalos de tempo, próprios da análise de mudança. Isso significa levantar dados no corpus entre 1726 até 1899. A decisão metodológica expressa consciência sobre as suas implicações. O esforço por uma perspectiva longitudinal permite a pesquisadora não só identificar transformações, como verificar especificidades dos documentos analisados.

Vale relativizar um aspecto. Pode parecer ao leitor desproporcional as subseções que descrevem as relativas em análise, especificamente, a que explora as características dos antecedentes com a que trata das particularidades da oração subordinada. No entanto, a extensão dessa última subseção vale por expressar, a um só tempo, o recorte temático e o aprofundamento no estudo das relativas. Assim, é possível reconhecer, por exemplo, produtividade da recategorização nominal de adjetivos que designam propriedades de pessoas. É o que se verifica na noção de familiaridade, como “viúva”, ou outras vozes, como “fiscal” ou “oficial”, adjetivos “relacionais classificativos”, também recategorizados em substantivos. Todos apresentam relevância social e discursiva nos contextos em que aparecem.

O capítulo proporciona aos leitores uma visão bem completa do assunto. Nesse sentido, Zunini ainda recupera trabalhos que consideram a construção um caso de topicalização, valor discursivo que pode tomar um segmento sintático em uma posição destacada da oração. Na estrutura em estudo, o núcleo do atributo anteposto ganha valor de tópico, organização semelhante às apositivas, segundo a autora. Por esse caminho, Zunini ocupa-se em comparar a relativa de atributo anteposto a outras construções a fim de identificar similitudes e peculiaridades. São elas: apositivas e causais. Nas duas comparações, o uso de quadros ajuda o leitor a reconhecer as semelhanças e as particularidades de cada estrutura. Essa comparação ainda tem a vantagem de facilitar a compreensão das características dessa estrutura já desconhecida dos falantes atuais.

Ao tecer considerações sobre os documentos em que a construção aparece, Zunini relata que, no CORDIAM-Documentos, a maioria das estruturas se registra nos textos do tipo institucional, com leve proeminência dos administrativos sobre os jurídicos, ainda que se encontre em particulares ou crônicas. Na imprensa, predominam os documentos informativos. A autora reconhece que os textos de imprensa apresentam alguma inovação em relação aos documentos de arquivo. Por exemplo, os textos da imprensa possuem alguns casos de modificadores antepostos tanto no antecedente quanto no atributo sem determinante, assim como a afirmação de que o suporte escriturário pode ser condicionante da aparição da estrutura, que justificaria a existência de uma tradição discursiva institucional. Trata-se de caminhos pertinentes que podem avançar em trabalhos posteriores.

A terceira seção, “Sobre la prensa en el siglo XIX”, fecha o ciclo de estudos sobre a imprensa uruguaia oitocentista com dois trabalhos voltados para a historiografia dos periódicos. Se nos trabalhos anteriores o conteúdo dos textos da imprensa servia aos estudos discursivos e linguísticos, nesta seção, aspectos de suas circunstâncias externas são objeto de estudo em si, um enfoque extremamente inovador e produtivo para o desenvolvimento de pesquisa. O primeiro capítulo dessa seção vai contextualizar o desenvolvimento de estudos sobre a história da imprensa até a produção do CORDIAM e o segundo vai descrever algumas fontes representativas.

O capítulo seis, sob o título “De los primeiros catálogos a la historiografía contemporânea: Aproximación a los estúdios históricos sobre la prensa uruguaya, 1883-2016”, de Wilson González Demuro, da Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación (Udelar), inaugura a seção, fazendo um levantamento crítico da produção historiográfica sobre a imprensa periódica uruguaia.

Inicia sua apresentação retomando a questão levantada por Roy Atwood a respeito do campo de investigação dos historiadores dos periódicos. A partir dessa indagação, Demuro reconstrói a história desses estudos, reconhecendo que há quatro décadas as investigações se ocupavam do percurso dos periódicos, das biografias dos periodistas e da tecnologia comunicacional. Cabiam, ainda, assuntos como a atividade jornalística, o desenvolvimento cultural do passado, qualquer atividade humana passada relacionada aos meios de comunicação. Demuro sublinha que havia uma postura acrítica dos analistas. Constata uma gradual evolução dos estudos à medida que se avolumam as pesquisas, considerando, no entanto, que no caso uruguaio ainda há muito a percorrer.

Segundo o autor, pesa sobre o avanço dos estudos a escassez de trabalhos propriamente históricos, muito em função do hiato entre a antiguidade das investigações fundacionais da área e sua recente e inconclusa articulação disciplinar. Sobre o caráter disciplinar, pondera que seria normal, pois uma subárea surge lentamente. Constrói-se aos poucos em torno de um objeto, desenvolvendo uma metodologia e técnicas próprias de processar as fontes. Outro fator apontado por Demuro é o caso de a historiografia e as ciências da comunicação constituírem a dupla matriz disciplinar da história dos meios de comunicação. No entanto, nem sempre essas disciplinas caminham juntas, o que explica o lento avanço. A historiografia, por exemplo, deu pouca relevância ao estudo dos meios. Os meios são vistos apenas como simples transmissores, apenas testemunhas da história, veículos úteis para investigação de processos políticos, culturais, sociais, econômicos e militares. Não recebem valor como possível objeto de estudo. É exatamente nessa ponderação que está a originalidade do artigo. O pesquisador em geral se acostumou a usar o periódico como fonte e dele consegue estabelecer corpora representativos de uma sincronia pretérita. Contudo, a perspectiva apontada pelo autor coloca ao centro aquilo que tem sido visto como meio. Uma vez promovendo o desenvolvimento metodológico dessa jovem disciplina, esse objeto pode aclarar a compreensão do papel exercido pelos periódicos, sobretudo, em sua formação. Mesmo que seja tomado, nas pesquisas, como fonte, sob essa nova perspectiva, será mais representativo.

Demuro procura fazer um levantamento da discussão, historicizando avanço da compreensão da história das mídias como disciplina. Aponta que os estudos históricos sobre as mídias impressas enfrentam, no início do século XXI, escassez de recursos. Outro ponto que marcou a pouca valorização desse estudo foi a questão da identidade disciplinar em construção, ocupando um espaço ainda marginal nos meios acadêmicos. Nesse painel de problemas, também elenca o que está relacionado às fontes e arquivos. Alerta quanto ao desinteresse dos Estados em promover políticas de conservação, desinteresse por criar hemerotecas, em manter a sua memória. Além de limitações técnicas que impediram a conservação de muita coisa que existia. O problema apresentado por Demuro, observado nos domínios uruguaios, pode ser estendido a outros países da América Latina, o que faz da questão não só um campo de investigação, como também um ponto de reivindicação a favor da memória escrita de nações na România Nova.

No caso uruguaio, como aponta o pesquisador, muitos periódicos tiveram uma vida azarada em sua trajetória nos arquivos: ou não passaram do primeiro número, ou circularam em precárias condições de conservação. Uma explicação é a sua condição de literatura efêmera, o período de agitação política e militar também contribuiu. Relata que as instituições especializadas (arquivos e bibliotecas) foram muito débeis ou inexistentes durante grande parte dos oitocentos. Há registros em que nem mesmo os tipógrafos orientais colaboravam com os acervos. O que se tem deve-se muito ao trabalho de colecionadores. A virada a essa situação geral vem com o advento das políticas de digitalização como estratégia de conservação e universalização de acesso. É o exemplo citado, inclusive, da parceria entre Biblioteca Nacional do Uruguai e a Faculdade de Informação e Comunicação da Udelar.

Uma contribuição importante é a contextualização feita pelo autor da investigação sobre meios impressos de comunicação, reconhecendo o essencial da historiografia uruguaia e suas principais características do decurso. Para isso reconhece quatro critérios: ordem cronológica das publicações; consideração de catálogos, índices ou bibliografias sobre a imprensa para além do título “história da imprensa periódica”; inclusão de estudos da ciência política, sociologia ou economia; e consideração de informações de diferentes meios sobre a memória de circulação da informação. Alguns desses critérios lembram o rigor metodológico da filologia, quando faz levantamento de fontes diretas e indiretas a fim de melhor fundamentar o objeto de estudo.

Em seu levantamento meticuloso, Demuro afirma que, entre 1985 e 2015, procurou-se completar o trabalho de busca, organização e catalogação documental sobre o século XIX e primeira metade do século XX iniciado na década de 60. Trabalho esse que viabilizou investigações temáticas. Aponta dois temas muito visitados: a imprensa do exilado do rosismo em Montevideo, em que se destaca a importância das redes intelectuais do Rio da Prata, e os trabalhos sobre a transcendência político-cultural do semanário Marcha - destaque para os trabalhos sobre seu apoio à conformação de um nacionalismo latino-americano.

Por fim, desses pontos destacados do texto de Wilson González Demuro, pode-se realizar um passeio historiográfico pela imprensa uruguaia, reconhecendo suas continuidades, rupturas e frequências temáticas. Dessa forma é possível verificar o modo em que a história da imprensa se desenvolveu desde a propedêutica dos catálogos e índices, até as análises de objetos acadêmicos.

O capítulo sete, “Dieciocho periódicos del siglo XIX en Uruguay en pocas palavras”, de Joaquín Ginés, apresenta a descrição de dezoito periódicos que formaram parte do corpus do projeto “Língua e imprensa no Uruguai do século XIX”, desde a Gazeta de Montevideo (1810) a El Tribuno (1896). A contribuição do trabalho é reconhecer e sistematizar informações relevantes sobre cada periódico. Para isso, realizou revisão bibliográfica panorâmica sobre a imprensa do Uruguai: Zinny (1883), Praderio (1962) e Álvarez Ferretjans (2008). Deve-se observar que essa revisão não é apresentada em seção do artigo, mas, com certeza o leitor perceberá sua presença na descrição de cada periódico.

Essa pesquisa tem o grande mérito de reunir informações dispersas, muitas vezes só encontradas na própria fonte por falta de citação de dados na bibliografia consultada. Ginés afirma que foi fundamental reconhecer os elementos históricos do país no período, bem como as motivações dos redatores. Dessa forma, procurou organizar a descrição apontando origens (condições em que surgiu cada periódico e sua tarefa), estilo e tópicos, e, recepção.

Há, em cada jornal, um parágrafo introdutório com dados relevantes, como data de início e fim da publicação, quantidade de números, a existência ou não de prospecto e a periodicidade. Na parte destinada a estilo e tópicos, apresentam-se a anatomia do periódico, seus temas recorrentes e seções ou organização usuais. Importantes para os leitores são seus comentários sobre as mudanças por que passou o jornal. Quanto à recepção, oferece informações sobre os custos e os lugares de aquisição, a recepção da crítica do periódico. Nesse aspecto, Ginés aponta como um promissor caminho de pesquisa para quem deseja apurar, sobretudo, as práticas de leitura e a inserção do jornal nessas práticas expandidas em redes de assinantes.

Em suas descobertas sobre conteúdos, afirma que as condições de surgimento e seus fins justificavam a eleição das temáticas abordadas e marcava o tom e forma de apresentar-se, bem como marcava o leitor do periódico. Percebe uma pluralidade de temas e de estilos, aparentemente muito mais rica do que hoje em dia. Um exemplo dessa descrição é a Gazeta de Montevideo (1810-1814). Esse periódico semanal surge em um momento de instabilidade política. A ocupação napoleônica teve como consequência uma mudança na administração das américas. Criara-se uma junta em Buenos Aires que não foi aceita por Montevideo. Os periódicos surgiram para difundir e justificar as posturas das respectivas partes do conflito. Esse fato abre possibilidades interessantes para quem deseja estudar sobre tais acontecimentos em perspectivas diferentes. A informação quanto à ideologia defendida por cada periódico é extremamente relevante. Ginés afirma que a Gazeta de Montevideo era uma resposta ao Gaceta de Buenos Aires. O conteúdo era basicamente político regional. Era a principal fonte de informação sobre a Europa peninsular, sempre leal à Espanha.

Quanto à recepção do jornal, Ginés afirma que as informações sobre o preço são inconsistentes. É bem provável que o periódico tivesse um preço avulso e um preço de assinatura. O fato é que a imprensa uruguaia, aos poucos, vai se apropriando dos recursos, das estratégias e dos layouts dos periódicos ao longo do século. É natural que essa informação, e tantas outras, não estejam registradas; mas eram sabidas pelos seus leitores. Um expediente muito pertinente para o investigador é a indicação de acesso ao material, ou seja, como acessar não só a esse jornal, mas também aos demais periódicos nas plataformas.

Apesar das limitações próprias da escassez de informações sobre os primeiros prelos da imprensa uruguaia oitocentista, a descrição cumpre seu papel de nortear o pesquisador quanto ao conteúdo e ao contexto de publicação de cada periódico apresentado. Por fim, cabe dizer que um olhar geral e sistematizador sobre as informações reconhecidas nesses dezoito periódicos pode ser um investimento para futuras pesquisas.

De maneira geral, o livro aqui resenhado contribui para a pesquisa da formação da imprensa uruguaia, e, por extensão, da formação da sociedade uruguaia ao trazer práticas cotidianas do lado oriental do Rio da Prata, embates políticos e sociais nas páginas dos periódicos oitocentistas. Contribuiu ainda para a história da língua espanhola, sobretudo, da variedade uruguaia, seja pelos estudos discursivos, em que se revelam as tradições e inovações presentes nesses testemunhos, seja pelos estudos linguísticos e do léxico em que se documenta a formação da norma praticada por uruguaios letrados e que transcende para a recepção, inclusive, dos iletrados. Dessa maneira, o livro reforça o papel do periódico para o desenvolvimento de estudos sócio-históricos.

Nesse empreendimento, percebem-se muito bem os desafios relacionados às dificuldades para se tecer comentários do passado, quando as fontes são escassas e muitas vezes entregues ao acaso. Ao mesmo tempo, presenteia-se o leitor com o CORDIAM, ilustrando as diversas possibilidades de abordagem que o corpus pode receber. Em cada capítulo, realmente ficam evidentes o esforço para reunir informações dispersas, o cuidado na construção de critérios de pesquisa a fim de garantir a representatividade das informações e de uma série de descobertas, servindo de convite ao aprofundamento.

Exatamente por isso, talvez a organização interna dos capítulos, com destaque à localização da contribuição da pesquisa, bem como a sinalização das etapas e dos principais resultados, aliadas à progressão temática na distribuição das seções, tornem o livro acessível até mesmo a leitores incipientes na área, que podem facilmente se engajar nessa diversidade temática proporcionada pelo material.

A obra, portanto, atende não só ao pesquisador da Linguística Histórica que procura o corpus para testar o seu fenômeno linguístico em um momento passado da língua, mas também a qualquer linguista que se debruce sobre o estudo do gênero e do discurso. Serve ao historiador, ao sociólogo, ao antropólogo e ao historiógrafo da comunicação, porque realiza um trabalho solidário, não restrito à sua área, mas aberto ao diálogo com outras disciplinas. Enfim, um conjunto diverso e aprofundado sob organização consciente de que outros pesquisadores, com suas próprias questões, podem usar esses estudos para avançar em suas pesquisas.

Por fim, vale ressaltar que as muitas formas de dizer, recuperadas dos periódicos, ajudam a delinear a construção de uma história linguística e social do Uruguai, mas não só. O esforço coletivo testemunhado neste livro evoca questões relacionadas ao estudo de periódicos que poderiam facilmente ser confirmados em outros países da América Latina, tornando possível discernir as peculiaridades de cada região. Uma obra com implicações garantidas.

 

Referencias bibliográficas

Jacob, D. & Kabatek, J. (2001). Introducción: lengua, texto y cambio lingüístico en la Edad Media iberorrománica. En: D. Jacob & J. Kabatek (Ed.). Lengua medieval y tradiciones discursivas en la Península Ibérica (pp. VII-XVIII). Frankfurt: Main-Vervuert; Madrid: Iberoamericana.

Kabatek, J. Tradição discursiva e gênero. (2012) En T. Lobo; Z. Carneiro; J. Soledade; A. Almeida; E S. Ribeiro (Orgs.). Rosae: linguística histórica, história das línguas e outras histórias (pp. 579-588). Salvador: EDUFBA.

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Oesterreicher, W.; Stoll, E. & Wesch, A. (Ed.) (1998). Competencia escrita, tradiciones discursivas y variedades linguísticas: aspectos del español europeo y americano en los siglos XVI y XVII. Tubingen: Narr.

Oliveira, L. C. de & Coelho, I. L. (2019). “Entrevista con Virginia Bertolotti”. Working Papers em Linguística: Formas e fórmulas de tratamento do mundo hispânico, luso e brasileiro. Florianópolis – SC: Centro de Comunicação e Expressão – CCE / Universidade Federal de Santa Catarina UFSC - Brasil –Vol. 20, n. 2.

Pacífico Barbosa, S. de F (2007). Jornal e literatura: a imprensa brasileira no século XIX. Porto Alegre: Nova Prova.

 

Notas


1 Acceso al texto completo en el siguiente enlace:
   https://fic.edu.uy/sites/default/files/inline-files/Bertolotti-Coll_Las%20formas%20de%20decir_DIGITAL.pdf